quarta-feira, abril 30, 2008

11 - Reservations

Como será que eu poderia te convencer que nem eu gosto de mim mesmo? Eu sempre estive distante, sempre contei mentiras pra manter esse amor. Eu fui cercado, abafado por escolhas tão dificies de serem tomadas, eu tentei forjar um sentimento que não é fácil de falsificar. Nada disso foi real o suficiente para te manter feliz, acho.

Eu queria ter alguma espécie de reserva, uma reserva pra tantas coisas que não cheguei a viver. Uma reserva pra qualquer coisa, mas não uma reserva pra ti querida. É hilário, me faz contrair o peito em dor contida, o sangue correndo do buraco sobre o meu pulmão, quando rio é mais engraçado ainda ver o sangue reagir ao meu corpo debilitado. Eu sei que tudo que tu queria era ouvir isso que estou admitindo. Eu queria ao menos uma vez chegar nessa verdade que prova ser bonito mentir. Eu tenho uma reserva, uma reserva pra outro lugar, pra outra vida, pra outro tempo... não é uma reserva pra ti francesinha.

10 - Poor Places

Agora não vejo diferença alguma, são só detalhes,
A voz do meu pai em algum sonho acordado,
Marinheiros que teimam em deixar o porto toda manhã,
Eles navegam para salas com ar condicionado,
O vegetariano comendo em prato industrial.

Vejo-a todos os dias recebendo carícias dele. Aquele baterista de Metal, aquele sujeito de maxilar quebrado. Ou ao menos eu desejava que o maxilar dele tivesse sido destroçado por um cruzado de direita. Mas nem isso posso, meu peito está enfaixado com bandagens, não tenho nem forças de levantar. As minhas garras até caíram. E como eu queria te ver hoje a noite minha francesinha.

Mesmo que meu bafo seja do Uísque,
bebida que o seu guitarrista ama tanto,
ou o baterista te levou ao glamour do vinho?
Não percebe que esse cara tira tudo de livros?
Frases feitas, gramática assassinada! Mas tudo bem,
Você nem lê mais, que diferença faz?

A mas eu queria ter acertado um cruzado no maxilar desse cara, teria quebrado a face dele em cinco grandes pedaços, aí sim ele viria quem sou eu, mas essa bandagem me aperta tanto, puta que pariu, como eu queria te ver hoje a noite francesinha.

Quero fumar, fumar todos os cigarros do mundo, mesmo que tenha um qualquer me amando no quintal de casa, minha voz sobe os muros e busca a fumaça. Quero amor, amor que é o quero-porque-quero em vida.
Meu maxilar está quebrado, meu coração em pedaços no gelo do caipirinha que você divide com ele, minhas garras destruídos. E que vá para o inferno toda essa alegoria que chamamos de vida, eu só queria te ver mais uma vez. Faz calor nesses pedaços mais pobres da psique humana. E eu não vou me arriscar a sair daqui.

09 - Pot Kettle Black

E o que me restou? Merda nenhuma, Tive que esvaziar meus bolsos, me livrar de minha varinha mágica. E agora tudo que me restou são as letras sem a música. A minha saúde me deixou, mesmo esse mundo aí fora é assustador. Mal saio do meu apartamento. Até as meias não troco mais, pois lembro que tu gostava desse par velho, e se um dia tu voltar na da mais justo de estar usando os mesmos pares de quando tu me deixo, seria uma forma de congelar o tempo. Estatizar o natural, evitar o imutável de mudar. Porém cada dia mais parece que você será uma corda que eu não vou tocar mais. Acho que talvez nem tenha tocado todas as suas cordas. Mesmo que agora seja óbvia a situação em que me encontro. Porém mais obvio é você mesma, tu se saiu exatamente como eu previa. E agora eu me encontro amarrado nesse nó, sufocado. Mas juro que pretendo não ser pego. Eu ainda tenho esperança de escutar a velha música, a velha música tocada com o instrumento mais puro que conheço. A música que vinha de meu coração, esse que teve todas suas cordas estouradas. Minha única alegria é saber que esse seu trem, é preguiçoso e demora a partir, e pra qualquer lugar que tu acabe indo, eu sei que ainda estará ao meu alcance. Eu sei, não acuse para não seres acusado. Sei de que sou o sujo falando do mal lavado. Mas foda-se você era minha.

08 - I'm The Man Who Loves You

E novamente estava jogado a esse pântano que é a vida. Sentia o fedor da injustiça, o fedor do preto ou branco. Eu bem que queria enxergar o azul, o rosa e o lilás, mas tudo que me chega é branco ou preto. Isso pode ser porra nenhuma pra vocês, mas é uma sutileza de guindaste perder o colorido da vida ao ver que ela foi apenas uma passagem passada na minha vida. E é por isso que escrevo essa carta pra ti.

Pois tu sabe que se eu pudesse eu faria. Nós sentaríamos na nossa sala e você entenderia tudo. Eu sou o homem que te amo. Mas agora não, agora tudo que me restou é essa mar robotizado. Uma grande engrenagem por debaixo do mar que faz as ondas irem e virem. Volte pra casa querida bonequinha de luxo. Pois tu sabe que se eu pudesse eu faria. Nós sentaríamos na nossa sala e você entenderia tudo. Eu sou o homem que te amo.

07 - Heavy Metal Drummer

Eu até sentia uma certa falta dessas bandas de Heavy Metal, quando eu era um pentelho dizia que queria ser guitarrista de Metal quando crescesse. Cresci e toco numa banda de Pop como se tivesse sido criado pela minha avó. Sabe, aquelas crianças que crescem com a vó, nunca se machucaram, sempre tiveram tudo que queria. Minha banda parecia isso, não tinha a atitude e a força de uma banda Metal.

Eu realmente sinto muita falta da época que fazíamos cover de Kiss e tudo era bonito. Sinto falta do tocar por tocar. Da banda quero-porque-quero em vida. Mais acima de tudo isso sinto falta Dela. Justamente Dela. Que se apaixonou por um desses bateristas de Heavy Metal.

terça-feira, abril 29, 2008

6 - Ashes of American Flags

Eu queria realmente entender o que foi daquela época, gastávamos quatro reais numa coca cola diet e um maço de cigarros, os poetas impregnavam nossa vida, mas acho que nunca demos a menor bola de verdade. Não lembro de termos conversas de verdade, lembro de passarmos o tempo, sentados no mesmo parque, eu sabia que apenas morreria se tivesse que renascer e enfrentar a possibilidade de não chegar nesses momentos. Todas as mentiras, todas elas, meu imaginário eram apenas desejos disfarçados. E agora tudo que eu quero é uma boa vida ao lado dela. Um pouco de vento fresco, um céu bonito, sem muito pensar como será o amanhã.
Me divertia com a sua vontade de ser tudo, isso até me contagiava, alugamos o apartamento no Copan, era um cubo de 40 metros quadrado, mal cabia nossas coisas, mas era nossas mentiras realizadas. Construímos o sonho de vida, eu, uma mulher, uma casa, nosso cantinho, viajamos vez ou outra e aproveitávamos nosso sonho americano.

Eu era um primeiro a saldar, o primeiro a me curvar perante a essas cinzas que são a bandeira americana e o seu sonho jovial de vida. Vivia um sonho, vivia uma vida maravilhosa ao lado dela. Até uma banda, agora eu tinha, comprei uma Telecaster usada e tocava com os caras no fim de semana, trabalhada durante a semana num escritório como faz tudo. Ia nos bancos, trocava lâmpada e por aí vai. Era uma vida de deus. Eu realmente me curvava diante esse sonho americano. Isso enquanto todas as folhas que iam caindo anunciando o outono enchiam minhas sacolas de compras.

5 - Jesus, Etc...

Cheguei no parque, disposto a guerrear, e como um milagre, água virara vinho. Lá estava ela, deitada no seu costumeiro local, lendo alguma besteira de auto ajuda. Não chore seu covarde. Olha... ela precisa de ajuda, ela pode confiar em mim. Eu sou o cara pra oferecer ajuda, tenho tudo que ela precisa. Leio as mesmas coisas, sou um cara cool, posso até ser metido a francês se assim ela desejar. Eu acho que vou ficar por aqui, me deixar ser percebido por ela. Imagino eu chegando... tocando em seu ombro, com um sorriso nossa cumplicidade seria máxima. Seria como o acreditar que cada estrela é uma aurora.

Me aproximei e deitei com o pretexto de tomar sol, minha boca tremia, e a voz escapava, cantarolando canções tristes. cada nota devia estar batendo forte no estômago dela, sim, eu, o grande cantor devia estar fazendo algum efeito nela, essa minha melodia azeda devia estar jogando ela em órbita. Em breve ela estaria aos prantos. Mas calma minha francesinha, você pode confiar em mim, você pode vir quando bem entender, eu estarei por aí. Sempre tem uma aurora pra me referenciar.

Ela falou comigo! Certo como dois e dois são cinco. A voz dela era como vinho, era como um trago de cigarro, e como sempre meu bolso estava cheio dos últimos cigarros que eu poderia conseguir, fui eu quem fui a órbita. Ela disse assim, disse que gostava muito de Bowie e perguntou se eu, sim eu mesmo, queria ir assistir o céu com ela. Num momento de felicidade suprema eu olhei pro parque, todos estavam queimando. E eu estava realizado.

4 - War On War

Não vou me deixar subjugado por esse demônio que habita meu abismo interior. Se ele quer guerra, terá guerra! Apaguei todas as fotos do meu computador, passado é passado! Deixei a vitrola de lado e estava pronto para encarar o mundo como devia ser. Até mesmo minhas estrelas cadentes haviam deixado de cair, pois uma guerra estava se desenrolando lá fora.

E você pequena metida a francesa, você quem vai perder. Você tem que aprender a perder queridinha, isso mesmo aprender a morrer. Vou jogar os fones de ouvido na orelha e sair por ai, vou até o parque, se você estiver lá, vai ouvir umas boas verdades. Deixando o Miles voar pela minha cabeça saio em passos firmes. Mexeste com a pessoa errada, agora vai conhecer um homem de verdade impondo seus direitos. Nenhuma mulher pode raptar o coração de um cara assim, o coração, o desejo, a vida, ela tinha capturado tudo. E agora com isso tudo, havia declarado guerra contra minha pessoa. Guerra só se responde com guerra. Você não é minha poesia, você talvez possa ser um demônio, nada mais do que isso.

Você vai aprender a perder pequena metida a francesa, você vai aprender a morrer nem que seja minha última atitude nesta vida.

3 - Radio Cure

Se anime, vamos seu idiota, se anime, ela nunca sequer existiu de verdade. Deve existir algo extremamente doentio e errado comigo. Tudo que consigo ver são estrelas cadentes, minha cabeça está cheia delas. E todas me caem sobre o mesmo parque, todas carregando seu rosto lindo, suas mãos delicadas segurando sua literatura salvadora. E cada estrela que explode na minha cabeça me joga beijos, abraços, nuvens de névoa, ombros roçando um no outro.

Vamos se anime! Não vai ficar o dia todo agora trancado no quarto, ouvindo o mesmo disco de novo e de novo. Com certeza tem alguma coisa errada comigo. Acho que estou buscando a cura nessa velha vitrola. Em melodias cirúrgicas dos únicos que realmente me entendem. Se fosse um pouco mais simples, mas não, não é! Existe apenas essa banda que me entende, e a isolação é tudo que me resta.

Mesmo porque todo esse conto de fadas não faz o menor sentido. Essa distância nunca enfrentada não é capaz de fazer o amor algo tangível. Mas por favor, seu merda, se anime! Eu tenho certeza que posso me animar. Mesmo tendo algo errado comigo. Mesmo com essas estrelas explodindo no meu cérebro. Esses beijos, abraços, essa nuvem de paz que nunca existiu.

Vou dar um jeito de me animar... mesmo que essa distância metafísica entre eu e ela torne o amor algo totalmente incompreensível.

2 - Kamera

Antes de conhece-la eu era inocente, um garoto bobo com minha câmera digital. Meu pai sempre antenado nas tecnologias, logo tratou de arrumar um aniversário, natal ou sabe-se lá o que para me presentear com uma novíssima tecnologia de tirar fotos. Na real, eu gostei muito do presente, eu sempre fui um cara meio mentiroso, não, mentiroso não, estava mais para um cara imaginativo. Tinha meu próprio mundinho e via fantasia em tudo. Não era raro me perder nos parques públicos em meio a tantas epifanias acontecendo.

Foi assim, desse jeito que meio sem querer comecei a observar essa garota, chegava todo dia no parque, sempre trazia algum livro, deitava-se na grama e mergulhava numa leitura concentrada, virou meio que minha obsessão, tirava fotos dela sempre buscando um ângulo que me permitisse dar um zoom suficiente para capturar a capa do livro também. Acho que nisso se foram seis meses de convivência individual. Ela lá e eu aqui. Minha imaginação jogava a mil com possibilidades de um dia conhecer essa garota que lia de Byron à Clarice. Na época, nomes obscuros pra um jovem como eu. Na volta pra casa eu sempre dava um jeito de passar no sebo da Av. São Luis e comprar algo próximo do que minha musa estava lendo.

E nisso sempre recebia telefones de casa, eu perdido pelas ruas, meus pais preocupados. Isso durou até o dia em que ela se parou de ir ao parque, depois de uma, duas e três semanas sem compartilhar de sua leitura arrebentei minha câmera num acesso de fúria.

segunda-feira, abril 28, 2008

1 - I Am The Man Who Loves You

Esse despertador toca todos os dias no mesmo horário, como uma máquina temporal, me traz de volta ao raiar do dia. Se ao menos pudesse sair a luz do dia sem peso na consciência, não teria que evitar qualquer lugar movimentado. Toda noite tenho bebido tanto, litros, um aquário por noite. E aí me vem essa cidade piscando, flertando com o perigo o tempo todo, tudo que me resta é mesmo ficar trancado aqui.

Se sou louco? Duvido que possa responder com a clareza necessária de um lúcido. Eu sei que ela, ainda vai ter o coração destroçado. Não sei como pude deixar ela sair andando assim, a Deus dará. Já cheguei a sanidade de propor uma trégua nessa batalha, pra que nos degolarmos tanto? Podíamos voltar a apenas ser dois estranhos, dois estranhos que ao cruzar o olhar vão logo trepar. E isso não é pra ser piada, nem referência a filmes, isso é pra ser minha vida.

Eu ainda imaginei que não iria doer. Esse seu olhar, grandes amêndoas sonhadoras, me pegavam de jeito, me deixavam lá preso, feito criança de frente árvore de natal. Mas eu e me vicio de beber, iria acabar com tudo. Você estava certa desde o começo. Eu não devia ter dito boa noite. Agora você não passa de uma peça de domino, prestes a cair e derrubar todo o resto, se é que não caiu. E não adianta me trazer curativos, eu nem sequer acredito em quedas. Que raios me passou pela cabeça quando eu falei olá?

Eu tonto, achando que ia te ter nos braços pra sempre. Você sempre foi constante, sempre me amou. Até que eu cai no sono, e a cidade, a vida não dorme. Sim, isso tudo é uma tentativa de quebrar seu coração. Uma porra de tentativa de te mostrar que tem sangue no meu peito, tudo que me resta é o maldito desejo de mastigar seu coração com manteiga no café da manhã. Não que seja fácil, seria uma mentira falar que é. Pois mesmo em copos descartáveis eu vou continuar bebendo. Eu sou o homem que te ama. E por que raios eu deixei você partir?

Marcelo Montenegro - Postal

Daqui a 30 anos, digamos,
que alguém leia este poema.
Todos os pequenos laços
que o ligam ao mundo
fora dele e à vida de um
poeta fudido entre milhões
de pessoas lugares motivos
não estarão mais aqui para socorrê-lo.
Daqui a 30 anos a coisa
será somente a coisa mesmo.
Uma cápsula amputada do tempo,
um bife arrancado do amor.

Edifício Master (2002)

Direção - Eduardo Coutinho (Babilônia 2000, Jogo de Cena, Peões e o Fim E O Princípio)

“Antes eu conhecia todo mundo, mas agora construíram esse viaduto no final da rua, e eu não conheço mais ninguém.” essa frase bem que podia ser de algum dos diversos personagens anônimos dessa obra prima do cinema. Mas não é, ela vem de uma peça de teatro que estudei a um tempinho atrás, e mostra sem delongas que quanto mais “evoluirmos” mais isolados e fechados de todos ficamos. Gostem ou não de Eduardo Coutinho, ele sabe como ninguém fazer documentários, ainda mais no Brasil, país que teima em ser tão irregular no cinema.

Eu poderia dizer, quase que a mesma coisa: antes eu conhecia todo mundo, brincava na caixa de areia com os meninos, me jogava na piscina com o pessoal, comia pão com requeijão na casa do vizinho, bolo de chocolate na casa da guria do andar de cima, levava uma fita pra assistir filme com o pessoal do décimo primeiro andar... e agora tomo o elevador e o que vejo? Faces... faces sem nome, faces sem história, faces... apenas faces...

Coutinho de forma genial dá um tapa na cara de quem tem sangue correndo nas veias. Por trás dessas faces, por trás dessa cortina de ferro que separa a vida das pessoas, existem histórias, existe um universo todo. Foi mais do que interessante, passar quase duas horas passeando pelo Edifício Master. Participando de sua rotina, vendo de tudo, jovens casais idosos, apaixonados, desesperados, desempregados, amabilidade, sentimentos, humanidade...

Estórias... como a da jovem mãe mineira que fala abertamente sobre sua profissão como prostituta e lança um interessante debate com Coutinho sobre a mentira. Ou da senhora que falando “ francamente” conta da sua decepção com o marido. Ou do senhor que se diz tímido e tem medo de gaguejar, mas conta sua história de uma vez e ainda se emociona. Ou do brasileiro que cantou “ My Way” ao lado de Frank Sinatra ou da senhora que sonhava ser cantora. Ou da portuguesa que acredita no poder do trabalho.

Não é um filme que se presa a botar em um altar o mega condomínio que é o Master, com seus 12 andares, 23 apartamentos por andar e cerca de 500 moradores. Poderia ser de qualquer prédio, poderia ser do pequeno prédio em Pinheiros, dois andares, em que provavelmente os únicos dois vizinhos, mal sabem da vida um do outro. Deve ser por isso que não existiu imagens externas do prédio, não existi a rua, portão do lado de lá. Tudo se passa dentro, dentro de um prédio que poderia ser o meu, o seu ou melhor ainda o nosso.

Esse documentário veio para evidenciar a riqueza do ser humano e a importância de se humanizar o outro. O documentário mostra que esse outro nada mais é que um ser humano repleto de angústias, medos, vaidades, remorsos, alegrias e sentimentos diversos.

Edifício Master é um documentário de Eduardo Coutinho. Lançado em 2002.

domingo, abril 27, 2008

química diabólica.

E essa química que quase me fode a cabeça. É como se as partículas, dissolvidas em minha corrente sanguínea dessem um gás, um choque de duzentos e vinte por hora, qualquer pequeno gesto a minha volta é incrível. A rua, movimentada, centro da cidade, lotado de gente, shows e barracas para todos os lados. Minha amada, meus amigos, os amigos dela, o estase químico. Tolice minha! Artificialidade pra que? Se o estado de plenitude já havia sido alcançado com essa pequena que se aninha em meu corpo. E o desespero? Medo de voltar a ser aquele pequeno renegado! O medo de não ser eu. A boca seca, a vontade desesperada de ser o que mais devia ser... ser o que eu achava ser possível ser. E ir contra toda e qualquer boa lógica de ter o prazer natural, a droga natural e perfeita que é o amor. Queria chorar, chorar de vergonha por ter fracassado. Caí, tombei feito saco de merda no chão, me desesperei, as construções tombaram sobre mim, as pessoas se tornaram assustadoras, tudo que queria era ela! O tempo todo ela, e distancia dessa química traiçoeira. Me sento na rua cheirando mijo do centro próximo ao teatro municipal, tentando achar ar pra voltar aquele prédio vil. Preciso voltar pra ela, volto... um esforço.. suor... morte.... saio de lá com ela.. e como um bebe.. com medo de um mundo maior do que se imagina, fujo.... fujo para o refúgio que é o lar... química traiçoeira... se me derrubou essa vez, será a ultima, pois ELA me vale mais do que isso. Nós valemos mais do que essa merda industrial... não vou me deixar tombado! Me desculpe raposa, me perdoe por ter fraquejado, mas saiba que essa fraqueza será força pra não cair mais.

sexta-feira, abril 25, 2008

A Última Casa de Ópio - Nick Tosches

Existe um território bastante sórdido que é o momento em que a alienação a cerca da sociedade se torna uma opção obvia. Se o que lhe levou a essa área foi o amor não correspondido, a falta de perspectiva, a simples curiosidade, a narcisista busca por prazer ou a mera inércia que nos leva a diversos pontos curiosos não importa, o ponto é que existe um elo entre essas pessoas. Um caminho interessante para essa fuga vertiginosa da sociedade e conseqüentemente da realidade é a droga. E é de se pensar que em tempos esquecidos, existiam clubes aonde as pessoas iam drogar-se viver sua realidade particular e fugir de qualquer demônio sem trespassar qualquer regra ou lei.

Essas casas, pequenas realidades alternativas, são retrato de um mundo que foi massacrado pela modernidade, que foi engolido e digerido por uma máquina imperialista que nunca se satisfaz. Nesse curto livro, temos a busca, a quase meta existencial do autor de encontrar o ultimo recanto desses clubes de fuga. No caso, as casas de ópio, locais que permitiam e inclusive proporcionavam um ambiente propicio para o uso da droga.

O grande mérito da questão talvez seja a banalização com a qual acaba por se enxergar o mundo externo ao do ópio. Mostra o mundo que de tão doente se tornou selvagem e agressivo, e que ao mesmo tempo é inerte, sem ação, morto em vida. É uma busca quase pessoal pelo passado, um viver no ontem que morreu na alvorada seguinte. A quebra das regras patéticas do cotidiano. Temos um universo fantástico incrível, prostitutas tailandesas, gangue de motos, yuppies, hábitos estranhos e mais uma onda imensa de situação tão irreais que apenas a realidade nos poderia prover.

Um livro que nos leva a refletir. O quão vazio ainda poderemos chegar? O que era algo fugaz e restrito a uma ocasião especial, tornou-se tabu, e agora nós vemos presos a uma liberdade condicionada, uma liberdade redutível ao funcionamento da grande máquina. No aspecto de mensagem e de conteúdo é uma obra pra lá de interessante. O que me deixou um pouco desapontado foi a baixa qualidade do texto, hora jornalístico, hora prosa, hora poesia, e nunca realmente criando um estilo e firmando uma linha condutora firme. O que me interessou foi a verdade com que tudo foi transmitido, porém um pouco de cuidado na linha narrativa sempre é bom.

Próximas Literaturas. Livros clássicos, cult ou qualquer coisa.

Depois de apanhar um pouco ali, amar alguém a cá e desmoronar em prantos com algumas palavra além de lá, comecei a pesquisar alguns livros que desejo ler, como computador é algo que vira e meche da problemas, e a pesquisa foi feita na internet, papel se perde tão fácil como carregar água em peneira, então resolvi postar aqui no blog o resultado da pesquisa a cerca dos meus próximos interesses literários. Ainda tenho coisas a serem lidas em casa, isso é apenas um despejo de desejos em linhas não tortas, dada a exatidão do computador que não me permite linhas tortas.

Kurt Vonnegut – Matadouro 5 - A obra discorre sobre um ex-soldado dos Estados Unidos que tenta escrever sobre o que aconteceu com ele durante a Segunda Guerra Mundial. Ele tinha presenciado o bombardeio aliado sobre a Alemanha na cidade chamada Dresden. Este fato ficou na história pelo grande número de baixas e destruição da cidade.

Lawrence Durrell – O Quarteto de Alexandria - Traduzida diretamente do original pelo escritor Daniel Pellizzari, O quarteto de Alexandria, do inglês Lawrence Durrell, é considerada uma obra-prima da literatura contemporânea. A tetralogia foi editada pela primeira vez entre os anos de 1957 e 1960, sendo imediatamente aclamada por público e crítica. Numa linguagem sofisticada e intertextual, a série narra a trajetória de um grupo de amigos, seus encontros e desencontros, durante o período da Segunda Guerra Mundial. O pano de fundo é a cidade de Alexandria, no Egito, que, mais do que cenário, é um personagem dessa trama surpreendente e intrigante.

Sylvia Plath – A Redoma de Vidro - Dois anos antes de suicidar-se em 1963, a poeta Sylvia Plath elaborou esse romance sobre uma mulher ? no fundo, ela mesma ? que vai perdendo o senso até que sobra só um surrealista e vazio senso comum.

Joseph Heller – Ardil 22 - John Yossarian é um piloto americano de um esquadrão de bombardeiros durante a Segunda Guerra Mundial. E seu único objetivo é escapar com vida. O primeiro e mais famoso romance do autor é uma sátira aos horrores da guerra, do capitalismo e dos homens.

Luke Rhinehart – O Homem dos Dados - Um psiquiatra competente inicia a procura de uma nova verdade para preencher a lacuna deixada no mundo contemporâneo pelo que considera ser a falência de Freud. Como isso decide que todas as decisões de sua vida serão tomadas com o rolar de dados.

Aldous Huxley – As Portas da Percepção - onde o autor pormenoriza as suas experiências alucinatórias quando tomou mescalina.

Thomas Pynchon – O Arco-Íris da Gravidade - O romance foi publicado pela primeira vez em 1973. Desde então, tem sido considerado como uma das maiores realizações da ficção em língua inglesa de nossos tempos.

Pauline Réage – História do O - obra-prima do erotismo está de volta em edição super caprichada. Lançada na França, em 1954, História de O já alcançou a marca de milhões de exemplares vendidos no mundo inteiro. Neste clássico do sadomasoquismo, a jovem O se deixa torturar sexualmente para obedecer a seu amante, que diz amá-la tanto quanto ela a ele.

Robert M Pirsig - Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas - é uma epopéia moderna que mudou a mentalidade de toda uma geração e continua servindo de inspiração a milhões de pessoas. Esta narrativa de uma viagem de moto feita por um homem e seu filho durante as férias de verão transforma-se numa odisséia pessoal e filosófica e trata de questões fundamentais do nosso modo de viver. Ecoando todas as confusões da existência, este clássico, emocionante e transcendente, tem por tema a própria vida.

Tristessa - Jack Kerouac

Esses dias me deparei com uma garota tentando se justificar do porque não ler. Dizia ela, que os livros são caros e que demandam muito tempo, tornando assim inviáveis a medida que acordamos, trabalhamos, e quando chegamos em casa temos pouco tempo, e que no geral esse tempo já é muito bem ocupado com a janta e a televisão. Acho que o que mais me assustou foi sua firmeza ao afirmar esses conceitos de que o não se tem tempo para ler um livro. O conceito de livros caros foi combatido com o argumento que existem grandes livros em edições de bolso, citei a LP&M por exemplo, e ela disse que duvidava ter algum título realmente bom em edições tão baratas. Quanto ao conceito de tempo eu não entrei em mérito de questão pois a pobre infeliz de fato preza e muito sua novela de cada dia.

Dentro dessa discussão, ficou totalmente cabível, recomendar o livro Tristessa do Jack Kerouac, algo até poético, tendo em vista que certa vez me deparei com um exemplar desse pequeno romance sendo vendido em uma rodoviária a beira da estrada por míseros seis reais. Apesar que a aquisição dessa edição não se deu nesse dia lírico, um motivo nobre enalteceu da mesma forma, comprei o livro pra minha namorada que compartilha mesmo gosto pelas letras.

Aonde está a beleza de um subúrbio na cidade do méxico, e em uma personagem junkie decaída? Uma viciada em morfina que se arrasta pelas ruas mortas da Cidade do México? Nessa pequena história acompanhamos Jack em seu envolvimento poético com essa personagem tão rica como Tristessa pode ser (nome que define por si só o clima envolto). Amor e compaixão que se tropeçam e caem em câmera lenta diante uma sociedade de bandidos e tudo que há de sujo no submundo.

Admito que nas primeiras páginas, por mais que esteja acostumado com a escrita do beatnik, a estranheza e o desconforto imperaram. Ele narra tudo de forma pulsante, um fio de pensamento jogado e destrinchado em um apanhado de letras. Algo como as idéias em Estado Bruto, sem trabalho algum, o que muito bem poderia ser um rascunho, mas que com tamanha sutileza e sentimento transformasse no mais belo exemplo de arte.

Alguns trechos que me saltarão os olhos, me fizeram menininho de seis anos em noite de natal, frente ao embrulho carnavalesco:

"La vida es dolor" (a vida é dor), ela concorda, diz que a vida é amor.
...
... Ela sorriu e desceu com passinhos miúdos e a mão na saia, com aquela lentidão linda e majestosa de mulher, como uma ninféia chinesa.
"Não somos nada."
"Podemos morrer amanhã"
"Não somos nada."
"Você e eu."
Eu acompanho-a educadamente com a lanterna até a rua, onde chamo um táxi branco para levá-la para casa.
Desde tempos imemoriais e adentrando o futuro sem fim, os homens amaram mulheres sem dizer a elas, e o senhor os amou sem dizer, e o vazio não é o vazio porque não há nada para ser esvaziado.
Estás aí, Senhor estrela? - Suave é o chuviscar que perturbou minha calma."
...
Tristessa está me segurando e aos poucos aproxima seu lindo rosto moreno do meu, com um sorriso precioso, e finjo quase deliberadamente ser o americano confuso - Olhe, eu ainda vou salvá-la -
...
E faz menos de um ano que ela estava em pé em meu quarto e disse "Um amigo é melhor do que pesos, um amigo que dá isso para você na cama" quando, de qualquer forma, ela ainda acreditava que conseguiríamos juntar nossos ventres torturados e nos livrar de um pouco de dor _ Agora tarde demais tarde demais.

quinta-feira, abril 24, 2008

Em Busca do Eu - 9

Seis semanas, algumas doces horas todo dia, uma ou duas, quiçá três horas de sonhos, não conseguia dormir mais do que isso naquela cela claustrofóbica. Sentia-me como um fantasma definhando, com todos os desejos amortecidos, um outrora sonho de liberdade em estado de suspensão. As vezes um estranho desejo de ter meus pais novamente me vinha a cabeça. Sentava no canto da cela e chorava.

Eu era tratado como um gringo de merda, um resto fecal de um sonho que morrera em mil novecentos e sessenta e nove. Acho que nem julgamento eu teria direito, cidade pequena, sociedade primitiva, nem humanos pareciam, me jogaram num buraco, se faziam o imenso trabalho de jogar alguma água e alguma comida vez ou outra para o pobre animal aqui.

De repente, eu me detestava, porque tinha sido tolo e inocente demais para com esse mundo doente. Essa vida doida que rasgara meus planos, despejara toneladas de injustiças sobre esse que além de pó, não era nada mais. Ainda que tinha que suportar vez ou outra o mal humor dos guardas. “Chico de mierda!”, “Voy a matar-te”. Devia ter matado alguém muito querido para tal revolta, o que pouco me interessava para ser sincero. Se o velhote era prefeito ou dono do único bordel da região, não fazia diferença. A consequência estava feita, e as chances de sair dessa limpo eram nulas. Faziam de mim uma menina nas poucas vezes que me deixavam tomar um banho. Acho que era o o futebol de quarta-feira a noite para esses chilenos de merda. “Chiquita, vamos a bañarmos”. Nem resistir valia a pena. Entregava meu corpo a aqueles imundos. O que era esporádico no começo, virou quase que rotina depois da terceira semana.

A cela se fechava, eu ouvia os passos folgados de seus coturnos no concreto liso. Ficava parado no meio do quarto, podia sentir a palidez de meu rosto, a terrível humilhação que era já não se importar tanto com o que acontecia. Um estado de falta de dignidade latente. Vezes ficava zangado e segurava meus cabelos com força, num choro forçado e engasgado, berrava com toda a força enquanto puxava os cabelos, detestando-me, batendo com os punhos contra o chão ou a parede, até o sangue escorrer e borrar a decoração da minha cela. Cambaleava nos meus dois metros quadrados com os braços agarrados contra o corpo, lutando contra a horrenda realidade, expulsando-a da minha consciência, bufando do mais puro ódio.

Nessa noite, uma solução me parecia viável, não era covardia nem muito menos falta de dignidade pensar em acabar com a própria vida. Era sim um ato de misericórdia consigo mesmo. Porque me permitir tamanho lixo, tamanho detrimento de minha imagem, quando a pouco, um viajante libertador tinha saído de seu lar agora se encontrar em tamanha decadência era o suicídio lento. Porque não acelerar o processo?

Não me lembro. Talvez uns quatro meses tenham se passado com essa situação crítica. Sabia que aquele desejo de dar cabo a minha vida voltaria em breve, bastava um passo mais em direção do poço. Ia vivendo minha solidão de cárcere. Depois de um tempo, acho que virei carne de vaca, o frescor dos primeiros estupros não voltava, e aos poucos eu caia no esquecimento deles. Depois de um tempo acho que inclusive alguma bicha autêntica foi presa, um outro boato que me veio, era que havia esfaqueado o seu namorado e a mulher com quem ele o traía. Não preciso dizer que essa boneca fez a festa dos, guardas e presidiários, nunca vi alguém tomar tanto banho. E mais, ir para o banho com tamanho gosto e prazer.

Mas sempre que chegava a noite, o que eu podia fazer? Minha alma anestesiada e nada serena com tamanha enxurrada de vazio, meus pés sólidos feito rocha, sobre a cama, o que o resto do mundo estaria fazendo?

Os rumos começaram a mudar quando um engravatado, de merda por assim dizer, adentrou minha cela, alegando ser diplomata brasileiro, que buscava de algum modo minha deportação de volta para minha pátria. Essa palavra me soava cômica, a cara de interrogação do engravatado ao me ver gargalhando foi impulso para um dos mais autênticos momentos de felicidade que havia ganho nos últimos meses.

terça-feira, abril 22, 2008

More - More (1969)

Direção - Barbet Schroeder (Barfly)

Creio que esse filme é bem mais conhecido por ter a trilha sonora do Pink Floyd do que pelos próprios méritos. Numa onda totalmente despretensiosa, em um domingo de tarde, minha namorada e eu fomos a uma exposição de Contra Cultura que está acontecendo lá no SESC Pompéia. Iríamos assistir uns filmes, dar uma olhada na exposição, sem muito o que esperar, fui como quem se interessa, e muito, pelo assunto.

Logo de cara batemos com esse filme, na entrada, me lembrei da máxima dele, uma interjeição bem posta e a sacada do dia, “é o filme com a trilha do Pink Floyd”. Até então nunca tivera curiosidade para ver este filme, mas como costumo pensar, alguns filmes te acham, e não é você que os acha. Foi esse o caso.

Visualmente, o filme é lindo, expondo de forma precisa Paris e Ibiza, impossível não se deleitar com as cenas do casal e as praias rochosas da ilha espanhola. A surpresa grata, foi que o filme deu um passo a frente em relação as produções da época, tendo realmente uma preocupação com roteiro e um desenvolvimento muito interessante das personagens e da história em si.

A maneira que os personagens se relacionam com as drogas é também fluída, em nenhum momento parece forçado ou fora de contexto, e algumas questões bem pertinentes a respeito do porque usar tal droga? Ou mesmo o que nos leva a tais extremos são levantadas sem deixar o filme piegas.

Para os interessados na contracultura e nos anos sessenta como um todo, o filme é um prato cheio. Falar da trama, ou de outros detalhes, tiraria muito da graça do filme.

quarta-feira, abril 16, 2008

A Nuvem

Preciso de ar! Do mesmo jeito que o tempo, cruel e sem a menor pena me ataca, a minha ânsia por digitar até os dedos sangrarem me faz continuar. A nuvem vai passar, mesmo porque, aqui sentado no escuro, totalmente tenso de um dia de cão no escritório, deixo o som da cidade me fazer música nos ouvidos. Um namorado grita pela namorada da calçada, ela deve morar no prédio da frente em algum andar baixo, um ou outro carro desliza as rodas pelo asfalto molhado, um ou outro passo perdido na noite adentra o prédio, a televisão dos pais traz um zumbido irritante. Me prometo a minha amada e a minha religião, religião que se reza com uma caneta e um papel.

Desculpem o transtorno, volto em breve.

domingo, abril 13, 2008

Outros Reflexões

Palavras do sábio mestre Ginco:

A arte não existe.

Trezentos mil olhos críticos estarão sobre mim. Principalmente dos acadêmicos.

O que existe é o olhar. Olhar.

Recairão sobre mim. Sobre um anônimo que, apesar, é artista. Têm olhos de encanto.

Quem não perdeu o encanto do mundo pode criar a arte. Mas a arte está criada. Uma latinha de cerveja rolando pela sarjeta pode ou não ser poesia. Depende do olhar de quem olha. Caso contrário – tudo é arte.

Nada deixa de ser arte, devido ainda, aqueles olhos que não se perderam no óbvio da cotidiana realidade.

Todos podem saber ou imaginar ou ser despertados para a imutável presença das auroras. Mas na balança das sensibilidades, somente se apercebem dessa indispensável transmutação do encanto, aqueles que ainda são prescritos de encantamento. Nenhuma aurora se repete e também nenhum crepúsculo. Como quase um caleidoscópio. Suas formas prescindem de uma essência de sentimento. A unidade pode ser nomeada e dentro desta unidade as infinitas e variadas transmutações nos colocam em sentidos e emoções também tangíveis. É quando a forma e o conteúdo significam de tal maneira que nos surpreendem por sinais que o humano não consegue esconder ou mascarar. Portanto o que aparentemente é intangível é tocado por algo que “aparentemente” não explica níveis de emoção que a vivência obrigatória do cotidiano nos resguarda.

Se consciente ou inconscientemente, a arte, por mais sistêmica e estudada, sempre deriva de um imaginário popular.

Este imaginário não permeia ou está em absoluto incrustado nos domínios do popular regional. Também é urbano, metropolitano ou encontrado, extraído e decupado das megalópoles. Afinal, quem compõe os diversos segmentos sócio-econômicos-políticos e culturais que as estatísticas consideram, serão indícios; os índices mais avantajados nos gráficos que contribuem e justificam como maiores indicadores dos percentuais percapitas do país!?

Parece-nos coisas estanques.

Se o nordeste tem menor contribuição neste digamos, produto final (PIB); o que nos impede de questionar quantidade e qualidade no montante discutido, gritado e arrematado ao conforto da Avenida Paulista (SP)?

A safra ressequida do nordeste é, culturalmente, que reboque à orvalhada safra do sudeste? Ininteligível?

Nossa economia não se baseia apenas e somente em produtos tangíveis, esta é uma discussão que é preciso ser revista.

A contribuição simples ao planeta deixará de ser um planeta simples quando a arte se constranger. Neste sentido, além de risível são pretensiosas as investidas “modernas” da humanidade na questão da corrida contra a degradação do planeta.

Voltar-se ao encantamento é desculpar-se da inevitável dizimação de pelo menos 2/3 (dois terços) da humanidade para a reconstrução do próprio planeta. Na verdade o planeta estará presente como sempre esteve. A reconstrução será uma compreensão movida por outra lógica que despertará a humanidade do que foi ou será até então um sonho ou quiçá, premunição.

Obviamente a arte vem se debulhando.

Não posso afirmar isso quanto à ciência. Não sou cientista no sentido epistemológico, mas posso dizer fenomenologicamente que, tanto uma quanto a outra, cada vez mais não admitem a importância e necessidade do caos para extrair do que lhe parece criativo; um repetitivo original que já freqüenta o cotidiano.

Tudo o que é tangível é tão rápido e mutável que ainda mais acelera o tempo num tempo que já não nos diz respeito e qualquer criança percebe e questiona. Além de mercadoria, muito pouco falta parta nos tornarmos supérfluos. Então, que arte e que ciência se fará?

Sidarta e sua iluminação através das águas correntes do rio, em que se difere da árvore e seu movimento de copa? Talvez o que mude não seja o objeto; mas o olhar sobre o objeto olhado. Assim, aquela latinha de cerveja poderia ser uma página de jornal. Exemplos de objetos simples e comuns. Só passarão a ser arte através do olhar.

Poderia discorrer e aprofundar o assunto, mas a essência do que quero dizer está, espero, claramente presente.

Tenho aprendido falar besteiras sem me impor com o preço que pagarei por isso. Mas reparo. Falo. Calo. Como questionamos e num repente são julgamentos. Como julgamos e de repente nos damos conta que são questionamentos!... No entanto, todo silêncio me diz que: olha-se para trás e não se escapa da humilhação de reconhecer que atrás da maioria dos questionamentos, estamos pré-julgando. Quem somos nós? O que aconteceu com as lágrimas da beleza? O que aconteceu com o ser?

Passei pela praça e ouvi o mendigo dizendo ao outro: “Quando eu era gente...” Quando eu era gente, foi quando era criança? Quando eu era gente, foi quando era adolescente? Quando eu era gente, foi quando...?

Foi quando fui economia? Quando fui mercadoria? Foi quando? Foi quando fui o requinte dos vernizes sociais e muitas vezes não tinha um centavo no bolso? Quem foi mais gente? O mendigo no seu lixo sobrevivente ou meu lixo sobrevivente numa mesa de um famoso restaurante?

Nossa estética está vendida por falácias bancárias!

A ciência está dormida até que a família, a tradição e a propriedade privada sejam absolvidas pelo papa e toda democracia armada e destramele as portas e janelas desde o primitivo até a modernidade. E que se foda o povo e o engodo de sua fé. Pois necessária e verdadeira sejam uma nova epifania e que volte a fazer do crente um crente e não um penitente na ilusória idealização do fora, mas na constante mutabilidade de sua energética força de dentro.

Como dizer... Nietzche, Michel Foucauet, Sartre, Capra... Vejam: até Sócrates... Até alguns pré-socráticos... Artistas plásticos, poetas, músicos, literatos... Até internos, loucos, santos, depravados... Vejam: eu ninguém, você todo mundo ou eu todo mundo, você ninguém... Ressuscitaremos? Em que outro mundo?

É talvez do possível no impossilvemente, porque afinal... Apodrecemos este. E em que outro mundo se, apodrecido este porque nos apodrecemos!?

Bem: vanglorio-me de tanta besteira. E sem rumo. E sem fundo. E sem coerência... Aparentemente. E sem muitas coisas que apenas coisas na coisificação dos sentidos.

Meu ponto de fuga: a realidade. Se o virtual me assusta? Imagina. Sou a consagração das suas intenções escondidas, o verdadeiro que extraio do real – tenham certeza – é seu antônimo. Não o irreal, pois este é mais real. É o que chamo de virtual. O virtual já existia antes da internet. Não exatamente da informática. O depois da internet depois do depois de Cristo. Minas Gerais: Tremor de terra. Abalo sísmico. Destruição. Mortes.

Minas Gerais... Ais, gente... E é só o começo do inovo Brasil.

O mundo contemporâneo? Deus que me perdoe!... Mas o mundo é sempre contemporâneo. Quanto tempo tem o tempo que a estrutura de pensamento se conserva no lógico mecanicismo aristotélico-cartesiano? O Mundo está esgotado. O império mais velho já não abastece a humanidade. Os infartos financeiros são cada vez mais freqüentes e cada vez em menor espaço de tempo.

A arte resiste cada vez mais do caótico e a ciência... Bem, ainda detonará o intangível sem a necessidade de produzir bens tangíveis. É fácil deduzir pedras sobre pedras e esqueletos onde tudo o que circulava eram mercadorias – inclusive nós – seres humanos. Como definir valores num mundo prestes a explodir? Seja o tempo que for, como inexplicável a velocidade do tempo agora na absoluta certeza do homem comum que apenas sente... Um piscar de olhos!? Nossa!? Já é ano novo? Mas não foi ontem?...

Por favor: resgatem o futuro, porque o presente é um discurso que sobressai das realizações praticadas como um defunto que se acaba de enterrar. Para que permaneçam vivos os grandes e ratos acontecimentos, é necessário criar um novo cemitério.

O mundo nessas várias tentativas de pretender se ressuscitar é um enorme cemitério cujos epitáfios reduzem-se a túmulos muito bem resguardados dentro de uma geografia estabelecida desde uma contemporaneidade deste mundo contemporâneo.

Porque preciso ter tempero ou destempero em apenas pronunciar-me. As filosofias que leio, li... Quiçá lerei... Aguento? Não impedem poder coagulo de reflexão. Ai, como já nem questiono, nem julgo e nem sei o que digo das lembranças que se desnudam através da caneta. Acho que a tinta pensa. A mão rabisca. A cabeça intenta. O coração arrisca. Juntando tudo: asneira das asneiras que peneirei e pesei nas sombras sóis das expectativas. Referências experenciadas e experimentadas desde a infância até este “moribundo” que tem como total e íntegro otimismo – absolutamente – o pessimismo. Nossa! Quanta historinha o povo me contou. Ainda que rodapé de livros, ele, muitas vezes valeria uma obra completa de renomados autores de memoráveis estilos. Como gosto do Guimarães Rosa!

A motricidade que me move já não move o vento que balança a árvore. São auras. Tantas cores reduzidas em uma. A unidade da alma. Passa e mesmo seca, vejo a densidade de suas folhas e é do céu a formação de sua copa.


Antonio Ginco

Março/2008

“Outras Reflexões”

sexta-feira, abril 11, 2008

see you all in hell.

muy bien, nem todos podem ser felizes como manda o ying yang. que loucura hein? mas é a idéia do eterno balanço, o mundo é feito de luz e sombra, felicidade e tristeza, amor e ódio e antíteses que não acabam. e nisso quando me tropeçava pela mesas apertadas de boteco, sempre me dava por conta minha situação lastimável era pedra base para a felicidade de um outro perdido nessa furacão da vida. nem sei se acredito nessas besteiras todas, mesmo porque veja agora, sou um dito cujo cidadão respeitável, tenho meu ganha pão, faço minha arte fajuta e acima de tudo tenho meu amor. mas será que isso quer dizer que to matando a pau um pobre coitado que sofre do desemprego, a falta de oportunidade para fazer o que gosta e a solidão dos diabos? às vezes a vida parece insuportável mesmo. pois já dizia um sábio amigo meu, todo ser humano tem defeito, exceto se tu gosta do individuo. prefiro ser um bufão que segurando o escroto com uma mão e gesticulando com o dedo do meio na outra xinga o mundo e diz: “que todos vão a merda” depois do carnaval provocado, voltar pro quarto, deitar com minha mulher e ter a melhor foda de minha vida até a próxima.

PROJETO HOMENS AO MAR

Hoje vou assistir ao meu grande amigo em cartaz com a peça rumo A Cardiff, então fica aí a propaganda.

PROJETO HOMENS AO MAR
De 02/04 à 02/05
PEÇA RUMO A CARDIFF (Cia. Triptal)
- Quartas e quintas às 21h. e sextas às 21:30
no Teatro Arthur de Azevedo
Rua Paes de Barros nº 957 - Mooca
R$ 15,00 - est. R$ 7,50
50 lugares.
PREÇO AMIGO a R$ 5,00 - mas tem q chegar com 1 hora de antecedencia.

quinta-feira, abril 10, 2008

Em Busca do Eu - ou Na Margem

Em Busca do Eu, está tomando corpo. Continuarei usando o mesmo nome por aqui, porém no final pretendo assumir o nome real do livro, que é Na Margem. Agora, segue ai uma brincadeira que fiz pensando em como seria a capa.

quarta-feira, abril 09, 2008

Um fodido na augusta.

minha identidade não significa merda alguma
não compra nem se quer uma cerveja choca
não é moeda de troca nem no mercado negro
sentimentos que acumulei ao longo dos anos
agora apodrecem debaixo da cama, esquecidos

nem me orgulho de ter rastejado atrás de putas
as mesmas vadias que depois vieram me destruir
elas mesmas que me fizeram sofrer feito o diabo

digo que sou um cagado e fudido porque é isso
o meu patrão, quer me demetir.
a família, quer me desertar
me acho digno de pena.

a mãe, velha e cansada
já desistiu de me levar
a algum lugar que preste

depois de criança, ser poeta,
é ser maluco, é ser caduco.
é coisa de malandro, de vagabundo.

mas não ligo, resta sangue de sobra
sangue batizado de uísque barato.
e um grande foda-se para o resto.

terça-feira, abril 08, 2008

Em Busca do Eu - 8

Quase três da madrugada no relógio vagabundo desse hotel de quinta categoria. Julia tinha saído por volta das nove e pouco da noite: “Vou ver se alguém da padaria não viu algo, ou quem sabe o dono da banca de jornais na esquina.”

Eu estava totalmente perdido, admito que um pequeno sorriso nos lábios me traziam alguma excitação. Estava deitado, totalmente nu, no chão do quarto. A simples idéia de ter perdido o carro, era apavorante no começo, mas agora era excitante. Sim porque não, poderia bater uma e gozar de prazer com a simples idéia que finalmente era um vagabundo autentico. Só não fazia isso, pois seria deliberadamente clichê demais.

O quarto do hotel era bacana, um sofazão vermelho sangue, um abajur amarelado de nicotina, e uma cama dessas que rangem ao menor movimento. Tinha ficado de saco cheio da Julia, que parecia não entender que o carro em si, era o menor dos problemas, na real, nem pesava. Aquele quarto, me era bastante familiar, lembrava demais o quarto de um motel na minha velha cidade, aonde comi minha primeira namorada. Comia ela naquele sofá, por detrás, só levantava a saia dela e botava a calcinha de lado e com dois dedos hábeis direcionava o resto, isso enquanto assistia a algum filme B dos anos sessenta e comia alguma pizza velha que levara de casa. A verdade é que quanto mais tempo passava do roubo do carango, mais me sentia desprendido a tamanha idiotice material e mais me sentia pronto para um passo a mais e minha jornada.

Eram bons tempos aqueles da namorada e do sofá, pelo menos esse demônio da inquietude e do desamparo não haviam tomado meu corpo. Agora as recordações não passavam de cenas de um passado distante.

Uma conversa teimosa, e em quase um murmúrio vinha da pré sala que antecedia o quarto do hotel. Será que Julia havia retornado e nem ao menos me dado um alô. Ou será que outra pessoa havia invadido meu quarto? Pouco me importava. Se esse intruso resolvesse adentrar mais no quarto se depararia com meu pau semi rígido, a garrafa de conhaque pela metade e o clima abafado de um quarto fechado desde o começo do dia.

Tentei pegar no sono e nada. Me levantei e me aproximei da porta que me separava do intruso. Prestando atenção, tudo fez sentido. A voz doce e suave, soluçava chorosa e dava a clara noção de ser Julia ao telefone. “Desculpe, eu... eu não devia ter fugido de casa...”

Então a pequena estava com medo, tinha ou não atravessado tantos problemas assim, o roubo de um carro era o de menos, era só continuar de carona. Ela continuava a choramingar no telefone, dizendo que estava em Londrina, que ia dar um jeito de voltar pra casa, que só queria sua família de volta. O que é que essa guria queria? Que eu a levasse até o sul? Sem mais nem menos? Isso me ferveu o sangue, logo tomei o conhaque nas mão e caminhando de lá pra cá dava goles poderosos enquanto uma idéia tomava forma em minha mente.

Vesti minha cueca preta, minha calça jeans, matei o conhaque de uma virada só, sentindo minha garganta queimar e meu estômago se retorcer de dor. Joguei a camiseta branca no corpo e enquanto os lamentos continuavam ao lado, abri a janela, estava no térreo e dali dava pra ver a pequena grade que separava a área do hotel da travessa pouco movimentada ao lado. Me coloquei a saltar a janela, e algo me segurou, dei uma checada no bolso da calça e lá ainda tinha algum dinheiro e alguns recibos e frases soltas anotadas em guardanapos. Procurei nos recibos, e achei o do motel, no qual noite passada, havia transado feito cão com essa guria. Botei o recibo por sobre os lençóis e saltei a janela sem pensar duas vezes, com mais dois movimentos rápidos havia ganho a liberdade, caminhava com passos firmes rumo a avenida logo a frente.

O nome agora é Alex, em homenagem ao personagem genial do filme do Kubrick. Se é para ser um errante, serei com estilo. Como dizia aquele visionário traidor. Serei como uma pedra que rola. Idade? Acabo de nascer, logo devo ter minutos de idade, porém com a bagagem de outros vinte e três anos bem vividos.

E caminhava a esmo pela cidade adormecida...

Profissão? Ser Humano. É isso mesmo que sou. Nada mais de trabalhos sem o menor sentido e em troca apenas de dinheiro. Mesmo o meu antigo e reprimido sonho de ser editor de uma coluna semanal de cultura, em algum veículo da media, agora me parecia repugnante. Agora compreendia de fato aqueles que caiam na sarjeta, feito merda, e lá ficavam. A única diferença deles para o que serei daqui pra frente é que vou seguir em frente, vou ver até onde chego.

Já caminhava pela rodovia que cruzava a cidade, caminhava em qualquer direção, cabeça agora vazia, havia escorrido tudo pelo suor que me transformava em um porco fedido. Com o polegar em riste esperava que alguém parasse e me desse uma carona pra longe, e enquanto isso, simplesmente fazia com que meus pés me levassem para longe. Não sei quanto tempo passou, só sei que ainda era madrugada, talvez no limiar da alvorada quando um kombi velha, caindo aos pedaços., encostou ao meu lado. Com o vidro aberto um sujeito gordo e com cara de poucos amigos grunhiu algo que a inicio não me levou a nenhuma compreensão. Na dúvida respondi de bate e pronto: “Estou indo pro sul, até onde estiver indo será de grande ajuda.” Um novo grunhido veio como resposta, e unicamente o gesto convidativo me fez compreender que era um sim.

Subi na kombi, ela fedia a sexo, na parte de trás, um colchão velho dividia espaço com algumas caixas de papelão e espalhado pelo chão havia dezenas de latas de cerveja, uma garrafa de rum, meio pão francês mastigado e algumas revistas pornográficas. O que mais me cresceu os olhos foi uma caixa grande de bolachas sortidas. Eu adorava essas bolachas e a tempos não tinha algo do tipo. Aos poucos comecei a compreender o idioma arcaico do cidadão e entendi que seu nome era Carlos, e que estava indo pra foz do Iguaçu levando essa mercadoria. Me cheirava contrabando de alguma merda, mas cagado por fudido, dava na mesma. Ele não era de muitas palavras e isso me agradava, nosso silêncio era respeitoso e proporcionava uma viagem tranqüila, rumo aos pampas.

segunda-feira, abril 07, 2008

Não me canso de louvar esta fortuna.

Quando viajava de carro, pra lá e pra cá, em busca de alguma dose de qualquer coisa pra ferver um pouco o sangue, eu sentia algo. Sentia alguma coisa, vinda de um processo de ansiedade que brotava logo de manhã e explodia nas noites claras demais pra pegar o olho. Era uma espécie de enjôo. A Radial Leste deixava sempre teimava deixar para trás um mundo de segurança, uma redoma de vidro que me protegia de um passado obscuro.

Sempre que o carro desliza por essas direções, o percurso transcorria sem problemas, sem absolutamente nada fora do comum. As luzes vermelhas, que borravam a velha avenida feito sangue, só serviam de decorativo para o véu escuro que caia sobre a cidade e permitia que toda a corja de rejeitados saíssem de suas tocas. Um flerte com os edifícios iluminados, diversas janelas emanando luzes amareladas, azuladas e outros tons diversos. Isso trazia algum sentimento, talvez de condolência, se cada luz acesa representa uma alma perdida, estraçalhada por uma vida cruel, uma alma que não consegue simplesmente pregar os olhos, que a dor lateja em seu coração e a solidão arranca desejos soturnos de dar cabo a própria vida, se cada luz representar um quarto disso tudo, talvez sua própria perdição fosse menor.

Lembrou-se daquela noite pré natal que se arrastara até a Paulista e viu um mar de possibilidades se abrir em sua frente. Devia sorrir sozinho, feito bobo, dentro daquele pequeno carro preto que seguia a manada de ruminantes rumo ao circo pós moderno. Circo armado para distrair nossa atenção de uma situação deplorável, um declínio a la Roma para um país que sempre almejou o topo, mas nunca moveu um dedo pra que algo melhorasse.

Sua cabeça não divagava sobre esses problemas, apenas refletia como podia ser afortunado por ser presenteado com maravilhosa mulher. Um relacionamento que parecia um choque entre duas carretas desgovernadas, que milagrosamente não explodiram, e sim juntas seguiram o mesmo rumo. Algo cheio de estrondo e fascínio.

Mal percebeu quando foi cuspido para fora do carro, caminhou pelo barro e pelo mato, com um sorriso lacônico nos lábios. Como podia em meio a prédios com mais décadas nas costas, um terreno aberto, ao céu poluído da cidade, estar assim, cheio de mato, barro e com cheiro de campo. Ao pisar na calçada avistou ela, ao lado do poste, cerveja em mãos, vestia uma calça que sempre despertava um tesão incrível. Se aproximou, firmando cada passo bem, sabia que seria uma noite magnífica. Com uma pequena mordida nos lábios tomou a amada nos braços e sentiu o tempo regredir, sentiu aquele alivio que é flutuar em um balão de ar. Sentiu toda aquela paz que a dose dessa droga lhe entregava.

sexta-feira, abril 04, 2008

Os Sons do J - Download da Seleção.

Uma das coisas mais gostosas que não vivi, mas sinto na pele como se tivesse vivido, era nas noites chuvosas em que nos jogávamos no chão e com um fone de ouvido, uma boa coleção de discos de vinil e uma fita K7 construíamos belas coletâneas para nossos amigos, nossas namoradas, ou mesmo para nós mesmos. Bom a tecnologia voraz nem sempre permite que façamos tudo isso, nesta maneira, digamos, mais romântica. Hoje baixamos mp3, queimamos cds e imprimimos capinhas tudo com cliques rápidos e descompromissados do mouse. Porém, há de convir, saber usar essa tecnologia toda. Fiz uma coletânea do que tenho escutado, canções para se jogar na cama, ouvir, pensar na vida.. ainda mais nessas noites mais frias, um bom cobertor, um chá, ou melhor ainda uma ótima companhia, minha raposa ainda não usufruiu desta coletânea. Enfim, música pra bons momentos.

Eis as faixas:

01 - Amy Winehouse - Back to Black (4u foxie)
02 - Robert Plant & Alison Krauss - Please Read The Letter
03 - Antony & The Johnsons - You Are My Sister
04 - Nouvelle Vague - Blue Monday
05 - Van Morrison - The Way Young Lovers Do
06 - Harry Nillsson - Everybody is talking
07 - TV On the Radio - Dreams
08 - Jeff Buckley - Lover, You Should've Come Over
09 - Wilco - Jesus, Etc.
10 - Guillemots - Made-Up Lovesong #43
11 - The Zombies - Care of Cell 44
12 - Rod Stewart - Maggie May
13 - Otis Redding - (Sittin' On) The Dock Of The Bay
14 - George Harrison - Between The Devil And The Deep Blue
15 - Nick Drake - Time Has Told Me
16 - Kula Shaker - Light Of The Day
17 - Paul McCartney - Let Me Roll It
18 - Neil Young - Mellow My Mind

Baixe Aqui

Espero que gostem.

quinta-feira, abril 03, 2008

Crônica de uma Fênix.

Eu costumava sentir saudades do garoto de dezesseis, dezessete, dezoito e dezenove anos que escrevia esses textos. Mesmo sabendo que essa coisa toda havia começado com uma garrafa do velho Jack. Na real, foi quando quebrei uma velha garrafa de Jack. Naquela época vivia escorregando pelas ruas do centro, pela biblioteca municipal, pelas velharias encardidas de um centro agonizante. Era uma sobrevivência infame para uma vida medíocre. Recém formado na colégio, aspirante a futuro da classe intelectual brasileira, e sem o menor tesão em nada que acontecia ao meu redor. Eu havia perdido toda e qualquer dignidade que um moleque da classe alta podia ter. Gastava o dinheiro honesto de meu pai com bebida falsificada, com boates mofadas e com falsos amigos. Sentia um renegado pela vida, um fudido e cagado nesse mundo doente.

Lembro como se fosse hoje, era final de ano, próximo as festas natalinas, espiava pelo vidro imponente da empresa que apostava as fichas em mim. Lá fora aquele rio morto serpenteava pra lá e pra cá como uma ferida exposta e apodrecendo a céu aberto. Ao meu redor, as mais importantes mentes da tecnologia nacional realizavam jogos e se empanturravam de comida a bel prazer para celebrar o nascimento de um mito que perdura até hoje, um mito de barba e cabelo por fazer, um mito que diz amam-se e é compreendido por, gastem todo seu dinheiro, torrem seus cartões de crédito, excedam limites, no natal tudo pode. Eu segurava um copo de cerveja, um tanto quanto choca, nem ligava. Olhava a cidade desentupir com toda aquela gente desesperada em seus automóveis rodando em direção das serras.

Estava cansado daquela rotina, daquela penitência. Cansado daquelas mesmas caras vazias. Contava os minutos para um possível fato insignificante, que poderia abrir um mar de possibilidades. E depois? Depois vem sempre esse famigerado e terrível depois, aquele que assola todos, e principalmente os velhos cheio de pus que agonizam em suas cama desejando ter morrido jovens e belos. Uns poucos já desfrutavam de deliciosos doces natalinos, com suas caras risonhas e profundidade rasa de significados. Matei minha cerveja, me desviei de um ou dois importunos de fantoches dessa vivencia louca. Sem nem deixar rastro ou marcas desci a escadaria do prédio, aquela fortaleza poderosa aonde magnatas controlavam o futuro de todos.

Me joguei na rua, rua que transmite o caos durante todo o ano, vi a figura de um cachorro magrelo e moribundo, havia deixado o carro pra trás, tinha tempo até o horário combinado, e caminhando fui sem muito rumo até a avenida principal que corta esse centro comercial, que orgulhosamente ostenta tantos nomes grafados em inglês com letras de douradas. Até as ruas aqui têm nome gringo. Rua Texas, Rua Arizona, Rua Califórnia, e é justamente na esquina da Califórnia com a avenida principal que me jogo contra o poste e espero um ônibus pro centro. O mundo corre em câmera lenta, como um deja vu desembestado, sinto que algo pode estar para mudar.

Ventava horrores e eu carregava um peso que eu sentia estar prestes a escoar pelo ralo. Me joguei pra dentro de uma lata de sardinhas com roda e deixe que a inércia me levasse até o centro do universo paulista, a cara da cidade. Como que cuspido pra fora, me dei conta que estava de pé na esquina da Augusta com a Paulista. Esquina que tinha história, esquina que embalou letras do Roberto Carlos e aventuras noite adentro de um jovem desavisado. Esquina de malícia e de urgência empresarial. Arrastei meus pés involuntariamente pra dentro daquele imenso conjunto de concreto. Lojas, neón opaco, pessoas engravatadas e lá no meio, perdido no tempo, uma sala de cinema que saia do censo comum e ridículo das grandes cadeias de entretenimento que mais se preocupam em encher o rabo de grana do que disseminar qualquer cultura minimamente decente.

Parado na escadaria desse cinema de épocas de ouro, jogo mão adentro do casaco, fico a ler os cartazes, observar o caixa com seu estilo antigo, e seu cobrador sexagenário. O tempo, o garoto que escrevia todas aquelas merdas, que pensava todas aquelas merdas passa na minha frente, se despede, não entendo direito o que acontece, um ligeiro empurrão e um sorriso maroto me surge por sobre o ombro.

“Olá...”

E foi assim... assim que ela entrou em minha vida... para não sair mais.

quarta-feira, abril 02, 2008

Não Estou Lá - I'm Not There (2007)

Todd Haynes (Velvet Goldmine)

É engraçado como reagimos a estímulos e a maior parte das vezes nem nos damos conta. Por algum motivo havia deixado de escrever sobre filmes por aqui. Porque? Não sei. Foi algo premeditado? Não. Afinal sempre prezei ter diversos assuntos jogados neste meu espaço. Então será que minha veia pra escrever estava correndo mais forte, e por isso predominou os textos de minha autoria? Acho que não. Então deixei de ver filmes? Com certeza não. Acho que foi apenas um período de adaptação. A um novo eu, tenho descoberto muitas coisas, e principalmente vivido uma experiência nova e totalmente fantástica, que tem sido conhecer e me envolver cada vez mais com a raposa. Porém as coisas voltam ao eixo, e vou falar de um filme que assisti pela segunda vez nos cinemas.

“Não Estou Lá” foi um dos filmes mais aguardados na mostra do ano passado, na época acabei por assistir em um péssimo dia, cansado, cheio de problemas, dor de cabeça e meio deprimido, e mesmo assim tinha saído com ótimas recordações, agora de fato confirmei que é um filme como poucos conseguem ser. É o que eu gosto de chamar de cinema de verdade, uma experiência que só podemos viver no cinema, não é teatro filmado, não é novela narrada, é uma brincadeira com nossos sentidos, com nossa percepção a tal modo que apenas a magia da sala escura nos pode dar.

Foi bom ver um trabalho de qualidade deste diretor que parece ter ótimas referências musicais. O único outro filme que havia assistido, Velvet Goldmin, havia me deixado com um pé atrás em relação ao trabalho deste diretor, espero que ele só tenha a crescer.

Pitacos a respeito do filme: Cate Blanchett está sensacional, uma aula de interpretação. Ela era o Dylan! Absurdamente fiel o trabalho dela. A trilha sonora é fantástica, mesmo para quem não é fã da obra de Dylan, as músicas escolhidas são ótimas, no geral em versões que respeitam a obra original. Me surpreendi com Richard Gere e Christian Bale, que fizeram com muita responsabilidade suas facetas do personagem. Fotografia incrível, diferenciando os momentos com diferentes formas de filmar, altíssimo nível. Vale a pena conferir.

Bernardo Vilhena - Esse Cara Não Existe

olha aí meu chapa
é o seguinte
no duro no duro
o que eu queria mesmo
era passar uns três dias sem existir
três diasinhos só
sem problema sem dinheiro sem fome sem sede sem sono
sem nada
absolutamente nada
e nem um telefone vai tocar pra mim
nem um sinal vai fechar pra mim
nem um cana vai me pedir documento
porque afinal eu não existo
não tenho identidade cpf título de eleitor
e nem um pingo de personalidade
já pensou?
cadê o bernardo?
bernardo? que bernardo? qual bernardo?
o magalhães, o figueredo, o da silva
ou o bernardo de niterói _ fundador dio charme da simpatia?
não meu chapa
ninguém ia perguntar por mim
porque simplesmente eu não existo
e não existe nenhuma armadilha que eu possa armar pra
mim mesmo
nenhuma artimanha nenhum sentido razão ou instinto
capaz de me fazer existir
porque o prazo é de três dias
três daiasinhos só
mas que felicidade
eu e mais ninguém
aliás nem eu
e mais ninguém
sozinho de mim mesmo
sozinho até daquela semi maluca que não me sai da cabeça
me entenda bem: não tô falando de amnésia
desmaio morte ou sumiço
tô falando de deixar de existir
já pensou?
eu não quero nem pensar porque quem não existe meu chapa
nem pensa

Restos mentais.

Queria poder cerrar os olhos e que o mundo caísse morto.
Pois vejo todos pelados, e sempre me pergunto, quem são essas pessoas?
Infelizmente eu ainda não entendi, o que vou ver quando chegar em casa.
Ou seria quando eu sair de casa? Acolho o mundo como casa e logo me arrependo.
Sempre alguém tem alguém que me aponta e fala é ele. Eu pergunto o que é?
Logo jurando com a mão posta na Bíblia, percebo estar sozinho. Então é isso?

Ainda que saiba que se abrir as pálpebras, o mundo vai estar aí, emanando toda essa merda.
Mas a desconstrução deveria ser simples. Valsam pra lá as estrelas, as natureza e a física.
Entra a galope, rasgando o nada como manteiga, a temida onda de desolação.
Cerro os olhos com força e o mundo volta a morrer no estralar dos dedos.
Beijo a insanidade na boca e cuspo a senhorita que me chama de estranho sonhador.
Só de pensar que eu costumava rir de tudo isso, e agora me assusto feito pato devasso.

E tudo não deixa de ser palavras, golpes contra o branco para amenizar a solidão.
Tudo isso pra saber que depois, vai vir um depois igual ao depois de antes. Depois.
Pra ver como os velhos definham em meio a desejos de grandeza reprimida sem razão.
Pois acho, que essa prosa introvertida entre eu palhaço e o eu letrado e diplomático
Não deixa de ser um facada, um desejo de se sentir jogado a loucura alheia.
Besteiras sem sentido? Antes jogadas no papel do que atoladas aqui dentro.

terça-feira, abril 01, 2008