Quase três da madrugada no relógio vagabundo desse hotel de quinta categoria. Julia tinha saído por volta das nove e pouco da noite: “Vou ver se alguém da padaria não viu algo, ou quem sabe o dono da banca de jornais na esquina.”
Eu estava totalmente perdido, admito que um pequeno sorriso nos lábios me traziam alguma excitação. Estava deitado, totalmente nu, no chão do quarto. A simples idéia de ter perdido o carro, era apavorante no começo, mas agora era excitante. Sim porque não, poderia bater uma e gozar de prazer com a simples idéia que finalmente era um vagabundo autentico. Só não fazia isso, pois seria deliberadamente clichê demais.
O quarto do hotel era bacana, um sofazão vermelho sangue, um abajur amarelado de nicotina, e uma cama dessas que rangem ao menor movimento. Tinha ficado de saco cheio da Julia, que parecia não entender que o carro em si, era o menor dos problemas, na real, nem pesava. Aquele quarto, me era bastante familiar, lembrava demais o quarto de um motel na minha velha cidade, aonde comi minha primeira namorada. Comia ela naquele sofá, por detrás, só levantava a saia dela e botava a calcinha de lado e com dois dedos hábeis direcionava o resto, isso enquanto assistia a algum filme B dos anos sessenta e comia alguma pizza velha que levara de casa. A verdade é que quanto mais tempo passava do roubo do carango, mais me sentia desprendido a tamanha idiotice material e mais me sentia pronto para um passo a mais e minha jornada.
Eram bons tempos aqueles da namorada e do sofá, pelo menos esse demônio da inquietude e do desamparo não haviam tomado meu corpo. Agora as recordações não passavam de cenas de um passado distante.
Uma conversa teimosa, e em quase um murmúrio vinha da pré sala que antecedia o quarto do hotel. Será que Julia havia retornado e nem ao menos me dado um alô. Ou será que outra pessoa havia invadido meu quarto? Pouco me importava. Se esse intruso resolvesse adentrar mais no quarto se depararia com meu pau semi rígido, a garrafa de conhaque pela metade e o clima abafado de um quarto fechado desde o começo do dia.
Tentei pegar no sono e nada. Me levantei e me aproximei da porta que me separava do intruso. Prestando atenção, tudo fez sentido. A voz doce e suave, soluçava chorosa e dava a clara noção de ser Julia ao telefone. “Desculpe, eu... eu não devia ter fugido de casa...”
Então a pequena estava com medo, tinha ou não atravessado tantos problemas assim, o roubo de um carro era o de menos, era só continuar de carona. Ela continuava a choramingar no telefone, dizendo que estava em Londrina, que ia dar um jeito de voltar pra casa, que só queria sua família de volta. O que é que essa guria queria? Que eu a levasse até o sul? Sem mais nem menos? Isso me ferveu o sangue, logo tomei o conhaque nas mão e caminhando de lá pra cá dava goles poderosos enquanto uma idéia tomava forma em minha mente.
Vesti minha cueca preta, minha calça jeans, matei o conhaque de uma virada só, sentindo minha garganta queimar e meu estômago se retorcer de dor. Joguei a camiseta branca no corpo e enquanto os lamentos continuavam ao lado, abri a janela, estava no térreo e dali dava pra ver a pequena grade que separava a área do hotel da travessa pouco movimentada ao lado. Me coloquei a saltar a janela, e algo me segurou, dei uma checada no bolso da calça e lá ainda tinha algum dinheiro e alguns recibos e frases soltas anotadas em guardanapos. Procurei nos recibos, e achei o do motel, no qual noite passada, havia transado feito cão com essa guria. Botei o recibo por sobre os lençóis e saltei a janela sem pensar duas vezes, com mais dois movimentos rápidos havia ganho a liberdade, caminhava com passos firmes rumo a avenida logo a frente.
O nome agora é Alex, em homenagem ao personagem genial do filme do Kubrick. Se é para ser um errante, serei com estilo. Como dizia aquele visionário traidor. Serei como uma pedra que rola. Idade? Acabo de nascer, logo devo ter minutos de idade, porém com a bagagem de outros vinte e três anos bem vividos.
E caminhava a esmo pela cidade adormecida...
Profissão? Ser Humano. É isso mesmo que sou. Nada mais de trabalhos sem o menor sentido e em troca apenas de dinheiro. Mesmo o meu antigo e reprimido sonho de ser editor de uma coluna semanal de cultura, em algum veículo da media, agora me parecia repugnante. Agora compreendia de fato aqueles que caiam na sarjeta, feito merda, e lá ficavam. A única diferença deles para o que serei daqui pra frente é que vou seguir em frente, vou ver até onde chego.
Já caminhava pela rodovia que cruzava a cidade, caminhava em qualquer direção, cabeça agora vazia, havia escorrido tudo pelo suor que me transformava em um porco fedido. Com o polegar em riste esperava que alguém parasse e me desse uma carona pra longe, e enquanto isso, simplesmente fazia com que meus pés me levassem para longe. Não sei quanto tempo passou, só sei que ainda era madrugada, talvez no limiar da alvorada quando um kombi velha, caindo aos pedaços., encostou ao meu lado. Com o vidro aberto um sujeito gordo e com cara de poucos amigos grunhiu algo que a inicio não me levou a nenhuma compreensão. Na dúvida respondi de bate e pronto: “Estou indo pro sul, até onde estiver indo será de grande ajuda.” Um novo grunhido veio como resposta, e unicamente o gesto convidativo me fez compreender que era um sim.
Subi na kombi, ela fedia a sexo, na parte de trás, um colchão velho dividia espaço com algumas caixas de papelão e espalhado pelo chão havia dezenas de latas de cerveja, uma garrafa de rum, meio pão francês mastigado e algumas revistas pornográficas. O que mais me cresceu os olhos foi uma caixa grande de bolachas sortidas. Eu adorava essas bolachas e a tempos não tinha algo do tipo. Aos poucos comecei a compreender o idioma arcaico do cidadão e entendi que seu nome era Carlos, e que estava indo pra foz do Iguaçu levando essa mercadoria. Me cheirava contrabando de alguma merda, mas cagado por fudido, dava na mesma. Ele não era de muitas palavras e isso me agradava, nosso silêncio era respeitoso e proporcionava uma viagem tranqüila, rumo aos pampas.
terça-feira, abril 08, 2008
Em Busca do Eu - 8
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