Quando viajava de carro, pra lá e pra cá, em busca de alguma dose de qualquer coisa pra ferver um pouco o sangue, eu sentia algo. Sentia alguma coisa, vinda de um processo de ansiedade que brotava logo de manhã e explodia nas noites claras demais pra pegar o olho. Era uma espécie de enjôo. A Radial Leste deixava sempre teimava deixar para trás um mundo de segurança, uma redoma de vidro que me protegia de um passado obscuro.
Sempre que o carro desliza por essas direções, o percurso transcorria sem problemas, sem absolutamente nada fora do comum. As luzes vermelhas, que borravam a velha avenida feito sangue, só serviam de decorativo para o véu escuro que caia sobre a cidade e permitia que toda a corja de rejeitados saíssem de suas tocas. Um flerte com os edifícios iluminados, diversas janelas emanando luzes amareladas, azuladas e outros tons diversos. Isso trazia algum sentimento, talvez de condolência, se cada luz acesa representa uma alma perdida, estraçalhada por uma vida cruel, uma alma que não consegue simplesmente pregar os olhos, que a dor lateja em seu coração e a solidão arranca desejos soturnos de dar cabo a própria vida, se cada luz representar um quarto disso tudo, talvez sua própria perdição fosse menor.
Lembrou-se daquela noite pré natal que se arrastara até a Paulista e viu um mar de possibilidades se abrir em sua frente. Devia sorrir sozinho, feito bobo, dentro daquele pequeno carro preto que seguia a manada de ruminantes rumo ao circo pós moderno. Circo armado para distrair nossa atenção de uma situação deplorável, um declínio a la Roma para um país que sempre almejou o topo, mas nunca moveu um dedo pra que algo melhorasse.
Sua cabeça não divagava sobre esses problemas, apenas refletia como podia ser afortunado por ser presenteado com maravilhosa mulher. Um relacionamento que parecia um choque entre duas carretas desgovernadas, que milagrosamente não explodiram, e sim juntas seguiram o mesmo rumo. Algo cheio de estrondo e fascínio.
Mal percebeu quando foi cuspido para fora do carro, caminhou pelo barro e pelo mato, com um sorriso lacônico nos lábios. Como podia em meio a prédios com mais décadas nas costas, um terreno aberto, ao céu poluído da cidade, estar assim, cheio de mato, barro e com cheiro de campo. Ao pisar na calçada avistou ela, ao lado do poste, cerveja em mãos, vestia uma calça que sempre despertava um tesão incrível. Se aproximou, firmando cada passo bem, sabia que seria uma noite magnífica. Com uma pequena mordida nos lábios tomou a amada nos braços e sentiu o tempo regredir, sentiu aquele alivio que é flutuar em um balão de ar. Sentiu toda aquela paz que a dose dessa droga lhe entregava.
segunda-feira, abril 07, 2008
Não me canso de louvar esta fortuna.
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