segunda-feira, junho 30, 2008

Meu quarto é quente, paredes de madeira isolam o calor lá dentro. Minha cama, tem uns três cobertores e é aquecida por Fante, Bukowski, Camus e tantos outros que repousam nas gavetas abaixo do meu colchão. Já era pra estar quase acordando pro ordinário dia. E tudo que tenho é um lençol ensopado. Inquieto, queimando e com os lábios rachados de febre e auto flagelação. Pior é febre causada por peito tenso e olhos secos. Febre de não relaxar e ser compulsivo feito o diabo. A cidade toda já acordou e germinou por todo esse asfalto gasto. E eu ainda estou no blues capenga e torto dos Stones. Violão chorão e o Mick lamentando um amor em vão. E tem gente que acha que sabe o que se passa no próximo. O caralho, cada um de nós tem a porra de um universo inteiro dentro, foda, foda, acho que não vou compreender nem uma vírgula do que sou. Eu não sei o que está acontecendo comigo. Sei que sou um filha da mãe compulsivo, nem de perto sou frouxo e com peito aberto tenho febre porque vou ligar no dia seguinte, vou acordar com a mão na cintura dela e vou faze-la minha. Foda é essa insônia filha da puta. Porque ontem não terminou, ainda é hoje e hoje já estou indo trabalhar.

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Tive o prazer de conhecer uma mulher que escreve, e escreve bem pra cacete, em breve vou ler o livro dela. O nome dela é Sabina Anzuategui e o livro lançado é “Calcinha no Varal”, admito que estou realmente curioso. Pra quem não conhece vale a pena dar uma olhada no blog dela: Limas da Pérsia. Olhem um pequeno texto.

“Acordei provavelmente às três da manhã, depois de um sonho sobre sucos, sopas e o medo de ter a casa invadida, e um hábito secreto em relação a algo que não lembro, dirigindo carros antigos em alta velocidade e batendo de propósito contra o muro, e minha mãe descobre o segredo e eu viro um homem que foge, e numa curva perde a direção do carro - uma peça escapa do motor, e quando tento alcançar a peça eu acordo.

Não consegui voltar a dormir, e depois de alguns pensamentos soltos tentei lembrar dos meus últimos períodos de euforia, com medo que o ciclo começasse de novo. Mas não consegui me concentrar e lembrei apenas da última depressão, que começou no início de junho.

Aos primeiros sintomas pensei que era uma tristeza e iria passar. Mas meu estado piorou em agosto. Não fiz nada na terça-feira porque era aniversário do meu marido e pensei que ele ficaria muito triste se eu me suicidadesse nesse dia.

Na quinta-feira fui ao hotel Formula 1 e perguntei no balcão se havia um quarto no sétimo andar, pois o barulho da rua me incomodava. Só havia algo livre no décimo primeiro. Achei que seria alto demais, mas ainda assim entreguei meu cartão de crédito e assinei o recibo que o funcionário me entregou. Não acendi a luz quando entrei no quarto. Deixei a bolsa sobre a cama e abri a janela, mas havia uma haste metálica parafusada à base. O vidro só se afastou dez centímetros da parede. Desci até a Rua da Consolação e caminhei até uma loja de luminárias. Perguntei se vendiam chaves de fenda, mas responderam que não. Na terceira loja me indicaram uma casa de materiais de construção na esquina da Alameda Santos. Atravessei a rua. Havia muitos carros e naquele momento eu preferia não ouvir nenhum barulho. A chave de fenda custou doze reais e eu voltei para o hotel.

Tive que soltar seis parafusos. Enquanto estava claro quase tive coragem. Mas foi difícil encarar o abismo debaixo da janela depois que anoiteceu. No escuro, a distância parecia maior.”

sexta-feira, junho 27, 2008

Um planeta cheio de gente. Gente até demais. Uma cidade amontoada de pessoas: São Paulo tem gente até demais. Minha boca tá seca. Também, como poderia estar de outra forma numa cidade tão maluca. Caralho, esse tempo não faz o menor sentido. Frio londrino? Uma dose de conhaque ia bem, dar uma esquentada nesse corpo velho. Nunca fui friorento. Exceto uma ou outra vez quando pegava alguma virada de tempo na adolescência, sempre fui o cara que saia de bermuda por aí. Hoje, congelo debaixo de roupas e mais roupas.

As vezes a paranóia fala mais alto. Com vinte e cinco (ok, quase seis) anos nas costas minhas raposa sabe se virar por aí. Mas tem vezes que a loucura fala mais alto. E caralho, me preocupo de saber se ela chegou bem em casa. A cidade, como o mundo em geral, tá violento pra cacete e por uma besteira qualquer pode dar alguma merda, e ela não um hábito muito confiável de checar o celular e minhas chamadas perdidas. Tu.... tu.... tu..... tu.... tu.... e mais uma chamada perdida.

Posso estar fodido e mal pago em relação a vez ou outra abstinência que tenho das minhas balinhas. Mas essa paranóia louca não é de hoje. Acho que vou me jogar na cama, enfiar-me debaixo de quilos de cobertor e dormir, amanhã tudo estará no lugar novamente. Chega de jazz por hoje.

I got my tongue, I got my chin
I got my neck, I got my tits
I got my heart, I got my soul
I got my back, I got my sex

Got life , I got my life

Nina Simone devia ser ilegal.

quinta-feira, junho 26, 2008

gosto da impessoalidade que um hotel passageiro. digo, adoro os banheiros indiscutivelmente iguais, porém únicos. gosto de ter minha cara de bebâdo se arrastando pelos corredores em busca do quarto e conseqüentemente do sexo que ali dentro me espera. camiseta azul, largada, estampa blasé, sem mais nada de roupa. tudo impecávelmente no lugar. queria estar em um hotel, agora, com ela. a barba por fazer, as olheiras, vez ou outra o bafo de uísque.

o mesmo trago que dava no DJ Club. Sinto falta daquele porão. aonde eu, o Dudu e o Vitor nos jogamos tantas e tantas vezes. eu, virando vodca pura como se fosse água ia dançar sem controle algum ao som de Yeah Yeah Yeahs, lembro que Maps marcava a noite. Vitor, quieto, bebia cerveja, bonito que só, em seu canto sempre atraía atenção de alguma garota. ontem, e antes de ontem, e nos dias anteriores a tudo isso, era pura mágica. Dudu era o que aproveitava mais a noite, com seu jeito irreverente se não pegava uma guria no seu charme espanhol, logo se jogava num canto e chovia alguma garota pro colo dele. sinto falta dos meus amigos, eles são foda. e as manhãs depois de todas as festas que viravam nossas vidas? o lanche tosco da esquina, a ressaca maldita, a falta de rumo, era tudo foda.

E mesmo assim, com tempos áureos passados, eu quero um hotel decadente, refugo saído da glória dos oitenta, quero um hotel, quero o bafo de pinga, até o cheiro de cigarro velho. quero ela pelada na cama e o som do Velvet Undeground preenchendo o quarto. chega de ágora. a decadência clara se torna luxo junkie, se torna objeto de fantasia e enche meu corpo de paixão e desejo por mais uma noitada dessas. mais uma noite num passado perdido de glória que me enche de satisfação.

quarta-feira, junho 25, 2008

era tudo verdade #1

artista é um bosta. artista quer viver intensamente e quer morrer. mas nunca morre de verdade. eu sou o que escrevo ou sou o que penso em escrever. mesmo assim tento ser artista, e não deixo de ser um merda. choro por músicas da Patti Smith e perco a força nas pernas na frente de qualquer um. o pior é bater de frente com isso, escutar uma música que te detona a porra da alma e você naquele segundo só consegue pensar em escrever tudo isso, em cuspir tudo pra fora. e isso acaba nos levando a loucura. sabe como percebemos que estamos perdendo os parafusos? quando os olhos já estão roxos de tanto chorar e mesmo assim o dedo pressiona o repeat da música maldita. feito um puto, um vendido, um desgarrado, chego em casa achando que esse cara tinha morrido, e choro, choro, choro já sem voz de tanto ter gritado no carro a caminho de casa. choro, suado e sujo na cama, é totalmente inútil lutar, eles venceram. só me resta esperar a próxima noite e sair novamente, buscar meus pedaços nos bares da Augusta.

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Marcelo Mirasola escreveu uma crônica bem boa. Não que eu concorde, mas o texto é bom. Vale a pena ler e refletir.

http://congressoemfoco.ig.com.br/DetArticulistas.aspx?articulista=480&colunista=22

terça-feira, junho 24, 2008

10 melhores filmes dos anos 90.

O making off é talvez o melhor portal para os amantes de cinema. Além de conter informações sobre dezenas de filmes de qualidade, possuí um fórum de respeito, que sempre engrena discussões interessantes sobre a sétima arte. Além de fornecer um universo de filmes para download de graça. Compartilhar arte não devia ser crime. Num país com um nível cultural tão baixo, os preços abusivos para o cinema e o teatro devem ser combatidos com meios alternativos. Estava tendo um embate sobre os dez melhores filmes da década de noventa, e minha modesta opinião está aí. No mais segue a dica pelo excelente portal: http://www.makingoff.org/.

1 - Magnólia (Paul Thomas Anderson, 1999)
2 - Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)
3 - A Estrada Perdida (David Lynch, 1997)
4 - Trainspotting (Danny Boyle, 1996)
5 - O Poderoso Chefão - Parte III (Francis Ford Coppola, 1990)
6 - Clube da luta (David Fincher, 1999)
7 - A História Real (David Lynch, 1999)
8 - Matrix (Irmãos Wachowski, 1999)
9 - Dreams (Akira Kurosawa, 1990)
10 - Violência Gratuita (Michael Haneke, 1998)

segunda-feira, junho 23, 2008

é foda, o negócio é foda. primeiro eu concluí minha faculdade, depois, com gás renovado encarei o desafio que está sendo tocar uma banda pra frente ao mesmo tempo que toco minha paixão pelos luz da ribalta. então percebo que meu pique para as baladas caiu vertiginosamente. o excesso com o álcool, tornou-se finalmente excesso. aquietou-se. meus amigos começaram a sumir, convites para casamentos, novas pessoas. eu me vejo crescendo e botando um irremediável ponto final ã minha vidinha desfrutável e leviana do passado. crescer e amadurecer, palavras antes distantes, agora fato. minha querida adolescência está nas memórias do campinho de futebol, das noites vibradas em qualquer porão com música alta; meu pelotão do boteco está oficialmente dispensado.

são quase vinte e quatro anos desde que o mundo deixou de ser nada e passou a criar formas e sentimentos sempre novos. observo e contemplo tudo feito criança ainda. tenho a impressão clara que mal comecei a crescer, mas logo já estou passando de um quarto de minha vida. isso é se chegar aos oitenta, fato que procuro nem pensar muito. o sonho americano tão odiado começa a subliminar-se na minha frente. minhas amigas não mais cheiram pó e sim engordam e vivem o drama do casamento, meus amigos, antes jogado aos bueiros, agora engravatados buscam assinar os contratos de suas próprias casas.

na verdade não é porra nenhuma disso. isso é apenas um pesadelo maldito. sou muito jovem ainda, sim mudanças aparecem, e encarar elas de peito aberto advento ao que vier é o certo. minhas baladinhas ainda não morreram, minha queda mortal pela vodca permanece e pode perguntar ao êxtase do gozo, eu estou ainda aí, agora buscando meu sonho, ao lado da minha amada. acredito que a felicidade entre cama, mesa banho e a vida conjugal existe, não como dois malditos vendidos, e sim como dois que formam um e que tem apego e desejo único por serem os únicos donos de suas vidas. do mesmo jeito que eu não participei de nenhuma porcaria de baile de debutante, que é uma espécie de rito para a vidinha pseudo adolescente adulto, não quero despedidas de solteiro ou cerimônias de ajuntamento, nada de alegorias de uma vida social em decline. comigo será feito do nosso jeito, ou morte a quem se opor.

peço então a vida, que não me negue a lua, nem a vodca nem a música, que me joguem sempre de volta ao pó, o qual todos vieram e irão retornar, me recuso a ter um ápice de vida social, me recuso a acomodar, e agora? como fico? nem tudo acabo! nem a festa tem fim, que o ápice venha como uma constante daqui até o dia que eu morrer.

quinta-feira, junho 19, 2008

Sabe, antes de conhecer a Raposa, eu passei boa parte da minha vida sem mulher. Não que fosse viado ou assexuado, eu apenas me sentia bem. Vai saber qual é que era a merda que me dava na cabeça, mas eu claramente sabia que um relacionamento aquela altura só me traria tensão, e tensão inútil. Pois uma mulher determinada, pode muito bem acabar com a sua vida. Ainda mais quando você gosta de jogar linhas tortas num papel ou escrever canções no violão. Aí sim elas ficam malucas e desejam torrar seu tempo e toda a sua essência vital. Naquela época o que desejava era apenas foder com algumas delas, só isso, nada mais. E mesmo assim não corria muito atrás, sabe, é gastar o saco com coisa que não vale. Durante todo esse período, eu simplesmente me privei do sexo fútil e com qualquer perspectiva de problemas no futuro. Eu tomava cerveja, tomava meus comprimidos, tomava minha vodca, voltava pra casa, ouvia minha música e mergulhava nos meus livros. Digitava furiosamente páginas e páginas que ficaram para a história em uma gaveta qualquer. Era uma vida pilhada, comprimidos, álcool, perdendo peso, me masturbando, eu escrevi pra cacete, coisas que nem sei aonde estão, nem sei se de fato foram escritas ou se foram textos que datilografei na minha olivette imaginária. Antes me sufocava no gole apressado da pinga barata. Agora me sufoco na mulher que me acompanha.Todo homem tem que ter algum vício e algum abuso.

Fim dos Tempos - The Happening (2008)

Direção: M. Night Shyamalan (Sexto Sentido, Corpo Fechado, A Vila, Sinais, Dama D'Agua)

Se M. Night Shyamalan tem algo que o diferencie do resto do cinema sem sal que tem sido feito ultimamente é justamente sua singularidade e capacidade única de se diferenciar da massa. A real é que nem Sexto Sentido eu gostei tanto assim, se for para escolher um filme que tenha me chamado a atenção, nadando contra a maré, eu diria Sinais. Eu gosto desse embate, dessa dualidade recorrente que Shyamalan busca colocando a fé a ciência quase que de mãos dadas.

Nesse novo filme, temos um evento inesperado, as pessoas começa a se matar sem a menor razão óbvia. Massas de pessoas que faziam suas atividades rotineiras simplesmente começa a se matar. Um conto apocalíptico que de certa forma segue muito a linha já explorada por Stephen King e ganha quando explorador numa ótica até então nova. O filme por si só é uma homenagem ao cinema mais lado B, Referências ao cinema por muito negligenciado e que teve só seu mérito enaltecido pelo Tarantino a alguns anos. Como fio condutor acompanhamos a fuga desesperada de um casal e sua sobrinha para longe dos focos desse evento macabro. Fica claro desde o começo que a intenção é que o medo domine toda a fuga e qualquer esperança de sobrevivência.

O filme tem momentos perturbadores e garante bons sustos e um clima de apreensão fora de série. Acho que o grande mérito foi a construção de um roteiro pra lá de afiado. Tudo gira em torno da sobrevivência, o que acaba por gerar um pequeno grupo de pessoas que tem o mesmo desejo desesperado pela vida. Então acompanhamos o caos, depois a organização e torcemos para que as pessoas se juntem e num espírito de comunidade se ajudem a superar o evento. Quando finalmente temos essa unidade de grupo formada e em busca da possível salvação aprendemos que a única forma real de sobreviver é o amargo e duro isolamento. Isso nós proporciona cenas lindas, que culminam em uma das mais belas cenas do cinema americano: os protagonistas impulsionados pelo instinto de sobrevivência acabam separados por uma parede e sem poder se tocar ou mesmo compartilhar esse momento de grande medo, travam um diálogo ótimo por via de um cano que interliga as paredes. Fantástico.

O filme seria fácil um dos melhores do ano se acabasse por aí, um desfecho burocrático e extremamente tosco leva os últimos quinze minutos para o buraco. Se desconsiderarmos o final temos um filme excelente. Porém, finais ruins não são novidades e nem deveriam ser tão levados a sério quando o resto do filme mantém uma média alta, lembrem-se de Meninos e Lobos... enfim, Shyamalan parece ter achado os trilhos novamente.


quarta-feira, junho 18, 2008

Tenho uma pilha de discos empilhada no fundo do meu armário. Tem Beatles, Rolling Stones e Bowie, tudo lá mofando, vendo o tempo passar e as traças tomarem conta. Os mesmos discos que me jogavam ao chão, que me faziam deitar do lado da vitrola e ouvir esse sopro de vida, hoje não passam de uma pilha no armário. Quando eu tiver uma casa, vou ter o canto com os discos, com a vitrola, vou voltar a me jogar no chão e escutar cada disco com seu devido carinho. Vou ter meus livros espalhados pela casa e mesmo se faltar espaço, terei todos meus sonhos.

É engraçado a questão da felicidade, a minha felicidade está muito bem traçada e visualmente não tenho dúvidas de como chegar. Porém, a minha idéia de felicidade definitivamente não é a mesma do senso comum por aí. Ou é e eu que faço um drama danado. Acho que é por isso que vivo feito o chapeleiro maluco de Alice, acho que é por isso que me ocupo até o pescoço. não sei de amanhã sei de hoje. E o hoje anda muito bem.

Mas tudo tem que ser tão complicado? Pago aluguel? Arrumo uma casa? Financio? Os grandes entendedouros de economia que se fodam, eles não vivem com a corda no pescoço e com a bunda na mira do crédito bancário. Ou até vivem e vestem a máscara do sucesso para tapear esse monte de gente burra. Às vezes eu até consigo ver uma luz no fim do túnel, mas a verdade é que é foda. Vai ser uma batalha e tanto, mas eu consigo, sei que consigo, eu mais minha garota não estamos nem ai pro que possam dizer.

Só amor mesmo pra segurar uma barra que é sobreviver nessa selva. Amor dos doentios, amor de Sid e Nancy, Henry e June ou o diabo que seja, amor de garrafa de uísque quebrada, amor e amor nunca mais. E tenho certeza que detonaria o mundo se alguém ousasse tocar no meu amor. É com certeza sou totalmente louco. Tanta coisa pra escrever, tanto pra ler, tanto para fazer e martelo o dedo sobre nada.


Não vou morrer, nem vou desistir. Vou dar um jeito até nas roupas, isso mesmo, não vou me apertar dentro das roupas novamente. Tenho surtos e problemas de mais, até pareço mulher, com todo o respeito, não basta as preocupações com a casa, os investimentos, o futuro, faço questão de estar quase enlouquecendo por uns quilos a mais, pelas roupas não caíram do jeito que eu quero, e principalmente pelos bancos conspirar contra meu futuro.

terça-feira, junho 17, 2008

A estrada sempre trás algo além da curva. Numa sucessão quase harmoniosa. Estamos entre os pinheiros, entre o capim queimado e entre o céu de um azul tão forte que chega a causar uma sensação de pequenez. O carro roda suavemente a uns oitenta quilômetros por hora. É um deslize quase silencioso, de acolá não se vê nada, pra cá só e somente o carro corta o vazio. E tudo que eu quero é chegar no além da curva. Com meu coração batendo forte dentro de uma mochila, sei que parar não é uma opção. Por isso deixo os pinheiros para trás. Um casa. Pinheiros, e o por do sol mais lindo que já pude ver. O azul se anegra-se e por demais de capricho ganha pequenas lágrimas brilhantes. E o carro roda.


Roço a mão no cambio e nas coxas roliças de Rita. Ela dorme, o seio obedece os solavancos do carro. E a curva não chega. A ponte atravessa o riacho seco, os galhos quebradiços dão indicio da caatinga que teima em desolar boa parte dos cantos de cá. A única luz artificial em todo sertão, é a brasa de meu cigarro, pendurado em minha boca, derrubando cinzas pela janela, protejo meu fogo criado com o retrovisor. Chuvisca lá na frente, o inferno nunca recebe a dádiva dos deuses, o diluvio sempre está lá a frente. Uma casa velha, parede doida do tempo, uma vaca seca e morta por dentro e uma pequena fogueira exibe o espectro de um ser humano batido e surrado nessa terra nossa que mais é terra de ninguém.


Areia, árido, fumaça e distorção de meu horizonte. A mula morta, já é benfeitora dos urubus, atentos ao deslize dos vivos na corda bamba da dureza das terras de cá. Acolá chove. A flor da alma de Rita dorme, descansa e de extraordinário só me resta suas mãos. Suas mãos doídas me lembram as mãos de lavadeiras. Rústicas e feito couro de jumento mastigador de relincho. O asfalto, nunca molhado, apenas uma chapa quente que avisa os perigos de parar por aqui, lembram a mão de Rita. E a curva continua além do campo de margarida que ela cativa em seus sonhos.


Queria uma foice, cortaria o grande firmamento e buscaria o verde que foi roubado dessa terra esquecida. Luminoso, um brejo seria melhor, dois barracos, o sexo de Rita pulsa e é tão convidativo como o mentiroso oásis que vislumbro por de trás do horizonte.


A violeta murcha ainda decora o cabelo desconjurado da pequena. Bom dia, o sol raia, a gasolina não assusta e a curva não chega. Mas não deve tardar. O asfalto piora, bom sinal, mais gente passa por aqui. Almas a caminho da vida constante do vilarejo ao norte. Certo medo agudo de chegar lá e a curva não estar. O sol a pinho volta a maltratar o capim marrom que brota esparsamente.


Aqui e a li surgem casas humildes, sertanejas e de bom coração. Telhado de palha e taipa, isso quando o afortunado tem chance de botar as mãos em um pouco de argila. Quero dizer, isso quando como a dos pobres, pois são rebocadas toscamente, cercadas de alpendres e com as paredes descascando e mostrando sua nudez que ninguém quer ver. Pois quando o pobre sujeito deixa de lado o lado pobre, a casa ganha telhas e por vezes mais de uma construção dentro de sua propriedade.


Rita dorme, se fosse dentro de uma dessas palhoças feita de babaçu, não passaria de uma garota cansada, entregue a um longo sono. Pra lá surge umas casinholas feitas de carnaúba. Só não vi nada feito de pau-a-pique, a madeira aqui é seca, a muito Deus deixou de dar natureza para esse pedaço de cidade perdida.


A casa além da curva é de telhas feitas de palmas de coqueiro. E de tamanha esperteza que chega a me assustar, o resto do babaçu serve de material pra porta e janela, além de fazer todo o cercado. A curva agora é aqui, e o senhor rasgado de sol e firme feito rocha me espera na porta. Pela fresta da porta, num vislumbre pra lá de sobrenatural, vejo a velha, sábia e corajosa, sobrevivente de um fim dos tempos que já foi e ainda vem e vai por essas terras. Acima de seu ombro esquerdo um par de morcegos se penduram nas sustentações do telhado rudimentar. Dia. Indico com a cabeça a adorável Rita que dorme, dorme para não mais acordar.


O cangaceiro não diz uma palavra, com um aceno dois moleques desproporcionalmente grandes no tronco surgem por detrás da casa e se aproximam. A mãe, a velha, a paridora do sertão desaba no pranto, levam Rita pra dentro, o velho não mexe um músculo. O carro me convida ao seu banco já moldado a minha vontade, e a curva volta a estar acolá de longe.

segunda-feira, junho 16, 2008

Senhora dos Afogados - Antunes Filho

Antunes Filho é um dos maiores diretores de teatro do Brasil. Fato? Com certeza, e provado com décadas de produção teatral da mais alta qualidade. Sua última montagem é um dos grandes textos de Nelson: Senhora Dos Afogados, uma tragédia em três atos. Nada mais conveniente para um diretor que explorou a fundo o teatro grego e agora voltou pronto para encarar uma das peças mais complicadas desse nosso dramaturgo.

Talvez uma das coisas mais doidas nessa montagem, assim como na obra de Nelson, é esse jeito fanfarrão, um equilíbrio delicado entre o drama quase trágico que cutuca e brinca com o humor canastrão. E justamente no diretor, que a mais de 20 anos a estética pornográfica e melodramática foi desmitificada. E Nelson é tudo isso mesmo, é drama, é trágico, é comédia, é escracho, é pornografia e é melodrama.



Mergulhar na obra do Nelson não é pra qualquer um. E com certeza nunca se volta igual. Afinal, nesse mar, os mortos nunca são cuspidos e volta, e nem mesmo bóiam. È difícil engolir essa obra. Complicado tanto na estética tanto no estudo conceitual do todo. E Antunes como sempre fez com maestria. E ainda por destacar o excelente trabalho dos atores, com destaque para o Lee que faz o pai da família, Misael.

E que trama! Das fontes gregas Nelson sempre confessou beber, e dessa vez bebeu com gosto. Uma filha que primeiro busca assassinar suas irmãs na busca de ser filha única, em seguida dá um jeito de despachar a mãe para ser a única mulher de seu pai.

Um fato bacana é que Antunes traduziu bem um detalhe da tragédia brasileira de Nelson. Ali morreu, acabou, é mixaria. Não existe o sofrimento eterno, a ira dos deuses e o fim de tudo. Ali existe o fim pela morte, e logo passasse para o próximo plano. Isso fica claro e fica demais na peça. Passando um sentido de atualidade imenso.

Detalhe, e show a parte para o coro que representa a vizinhança. O coro melhor do que nada representa nossa sociedade. Hipócrita e interesseira. E o povo que não teve chance de brilhar, faz o que pode para sobreviver entre os ratos. É o povão, somos nós. Mesmo as putas foram trabalhadas para serem putas do povo, num trabalho bem interessante de banalização e finalmente degradação desse personagem que por vezes é super valorizado.



Teatro devia ser base da sociedade. Ali temos todos os tapas na cara necessários para acordar e enxergar a podridão que nos cerca. Resta agora esperar a montagem da mesma peça por outra grande figura do nosso teatro, Zé Celso. Que venha o carnaval, estarei na primeira fila vibrando feito criança.

Agora com autoridade devo afirmar, quem sou eu para escrever uma crítica a cerca dessa obra? Ali tem Grécia, tem Nelson, tem Brecht, tem tudo, tem vida e tem teatro. Acho que ali existe uma aula pra quem quer fazer teatro. Existe arte.

Senhora dos Afogados
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 27/7
Onde: teatro Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 5 a R$ 20 (Compre com antecedência em qualquer Sesc)

De Cabeça Baixa - Flávio Izhaki

Me peguei num pensamento engraçado esses dias, pensava, no quão moderno e atual é a literatura de gente como o Daniel Galera e Clarah Averbuck, e então parei e conclui, mas esses caras são da geração passada, o que está rolando com quem começou a escrever agora, pós 00, pós iPod, pós Katrina, pós tanta coisa que na real nem faz muita importância, apenas servem de consolo para uma sociedade que gostaria de fazer história.

O livro é bem cru, com uma escrita até bem trabalhada em contraponto a crueza de sentimentos, a crueza das palavras que expoem sem medo o ser humano assustado, perdido, sem rumo, sem coragem de encarar o mundo. O jovem de hoje em dia que não tem bolas de verdade para mandar algo a merda e se jogar no mundo. O jovem hoje que por mais que faça isso, no fundo só está fugindo do real problema. Uma juventude covarde, sem sonhos e sem cara.

Temos um protagonista numa forte depressão por ter seu sonho diluído na dureza que é a vida. Apontado como futura revelação da literatura, nosso protagonista lança um livro que é recebido de forma pífia, ele perde a namorada, perde a vontade de viver e a capacidade de encarar seu fracasso. Foge. Foge pra longe e de todos. Encaramos o momento em que esse personagem recebe uma brusca reviravolta do destino, e se vê obrigado a encarar o passado. Esse fato inusitado, essa total falta de lógica ao se deparar com seu passado ali, vivo e pulsante na sua vida, faz com que nosso anti-herói volte a civilização e parta numa busca por si mesmo.

A grande questão é: como fica a nova literatura? De certa forma, tenebroso, ao mesmo tempo que a internet possibilita uma facilidade incrível, os leitores se acostumam com leitura rápida, para se ver nos intervalos da vida... ao mesmo tempo que muitos podem surgir e se fazer escritor pela rede... ela não colabora para que o lado dos leitores cresça. Ou pelo menos ainda não colaborou. O livro “De Cabeça Baixa” vale a pena, nos leva a pensar seriamente em nossa relação com a literatura.

domingo, junho 15, 2008

"The problem was you had to keep choosing between one evil or another, and no matter what you chose, they sliced a little bit more off you, until there was nothing left. At the age of 25 most people were finished. A whole god-damned nation of assholes driving automobiles, eating, having babies, doing everything in the worst way possible, like voting for the presidential candidates who reminded them most of themselves. I had no interests. I had no interest in anything. I had no idea how I was going to escape. At least the others had some taste for life. They seemed to understand something that I didn't understand. Maybe I was lacking. It was possible. I often felt inferior. I just wanted to get away from them. But there was no place to go."

"O problema era você ter que escolher entre um mal ou outro, e não importa o que escolhesse, eles arrancavam mais um pedaço de ti, até não restar mais nada. Por volta dos 25 anos a maioria das pessoas já está acabada. Uma porra inteira de nação dirigindo automóveis, comendo, tendo filhos, fazendo tudo da pior maneira possível, como votando nos presidentes que mais lhe lembrassem a si mesmos. Eu não tinha o menor interesse. Eu não tinha interesse em nada. Eu não tinha idéia de como eu iria escapar. Pelo menos os outros tinha um gostinho da vida. Eles pareciam entender algo que eu não entendia. Possivelmente me faltava algo. Era possível. Eu costumava me sentir inferior. Eu só queria é fugir deles. Mas não tem lugar pra ir."

Velho Buk

sexta-feira, junho 13, 2008

Não gosto de ser o tipo de pessoa que faz serviço inútil. Talvez pelo fato que considero meu tempo muito valioso. Tanto é que detesto gastar tempo sem estar fazendo algo relevante. Nem que esse algo seja andar pelado pela casa, tomando uma cerveja e ouvindo algum disco velho do Punk de 77. Se depender de mim, só de mim mesmo, nada disso iria acontecer. Nada de ficar jogando tempo fora como se fosse imortal. Quando eu não quero fazer alguma coisa, pode ter certeza que se fizer, será extremamente a contra gosto. Ou melhor dizendo, será uma realidade extremamente passageira.

Pois me empurram serviço braçal e eu estou aqui feito trouxa editando coisas sem utilidade. Pelo menos me ponho em dia com a leitura das poesias do velho Buk.

quinta-feira, junho 12, 2008

Em Busca do Eu - 13

Foi mais fácil do que eu pensava, em meados das festas de final de ano, afrouxaram a segurança, mesmo porque me portei muito bem. Recebia os repórteres que insistiam na matéria do ano, inclusive para uma delas, uma garota mirrada: cara de aluna mais inteligente da turma, aquela que senta na primeira fileira, usa óculos de armação grossa, não bebe, não fuma, não causa rolo, puxa o saco dos professores e que por incrível que pareça aparentava ser extremamente sexy. Era uma garota assim, que certa vez veio me entrevistar para um site de cultura alternativa, não entendi direito a relevância da matéria ou mesmo o porque do interesse deles que me viam como um herói. Ela sorria, sua boca imensa, os lábios duas frutas suculentas, uma vontade de morder. Perguntava coisas sobre a viagem, os lugares que parei, as pessoas que conheci, e finalmente sobre o Chile. Como eu chegara lá? Foi nessa pergunta que estanquei, e por um breve instante bolei um plano audacioso. E se essa garota mirradinha me tirasse daqui? De quebra podia arrumar uma boa transa. Aquele jeitinho de nerd já estava me deixando fora de si. Me aproximei um pouco e sussurrei que queria pular fora dali, que ela poderia me ajudar e fazer parte dessa minha grande história.

Era fácil perceber os olhos dela brilhando, dois diamantes reluzindo por detrás das lentes dos óculos. Ela confirmou que estava de carro e confessei que pouco sabia de qualquer coisa fora daquela propriedade. Ela disse que tentaria distrair os armários e que eu pularia no carro no meio tempo. Aceitei, mesmo porque não tinha muito a perder, só fiquei muito cético se aquela garotinha seria capaz de chamar a atenção de macacos pouco evoluídos que só pensam ainda em bundas e seios quando se associa a palavra mulher. E não é que ela se saiu bem, deve ter se feito de vítima ou sei lá eu o que. Sei que nem se quer desconfiaram de quando me joguei no banco de trás do do Ford K, levei um cobertor que tratei de usar para me esconder e aguardei os ares da liberdade.

O barulho do carro e o balançar eram ninar para uma criança a muito desesperada por carinho. Esperei, devaneei, finalmente estava livre novamente. Por que era tão foda simplesmente não ter vinculo com nada? Por que o mundo fazia tanta questão de me tornar parte dele? Eu não queria o mundo, e queria apenas ser respeitado quanto a isso. Meus pensamentos a mil, iam da Patagônia até o Alasca, quase me esqueci de Michelle que com tamanho afinco havia comprado o plano de me tirar daquele buraco. Fui acordado do sonho desperto pela mão carinhosa dela que me tocava a cabeça escondida no cobertor. Me levantei, pude ver a estrada, a amada estrada, minha amante secreta, esse pedaço de piche e terra que me leva aos almejados sonhos.

Ela sorria, e tinha a respiração ofegante, seu peito miúdo, com seios que pareciam feitos para encher uma mão e nada mais, subia e descia para cada inspiração e expiração. Uma dose de adrenalina fora do comum tinha injetado nova vida nessa garota, sorri por fazer parte disso, ela sorriu um consenso, perfeito entendimento em silêncio, onde palavras poderiam ser bruscas demais para tamanha delicadeza de harmonia.

Isso deve ter durado alguns bons minutos, meu sorriso complacente, meu olhar pousado em sua fragilidade. Seu sorriso bobo, atenção focada na estrada, vez ou outra dividida com meu atento vigiar. Muito tempo depois ela explodiu em gargalhadas frenéticas. Eu nada pude fazer se não explodir junto, rimos por mais de cinco quilômetros, rimos até a barriga doer, o fundo dos meus olhos já lacrimejavam, rimos de puro gozo de viver. Ela vivia pela primeira vez, era prisioneira de uma sociedade que eu já havia matado. Eu vivia em liberdade, depois de um cárcere maldito, uma jaula forjada pelo meu próprio sangue. Olhava aqueles dois frutos em formato de lábios, ainda trêmulos de tanta risada, ansiava, pedi para ela encostar o carro.

Segurei pela nuca, mão firme e a puxei para um beijo longo, um beijo que era claro ser o primeiro de verdade em muito tempo que ela garota recebia. Nossas línguas, nossos corpos, era tudo intenso ali no banco daquele carro, ela não recuava, ela vivia, vivia como nunca tinha vivido. Eu acariciava todo aquele corpo, um corpo pequeno, delicado e traumatizado. Ela se mostrava totalmente surrada pelas constantes imposições de um mundo cada vez mais totalitarista e cruel. Fizemos amor ali. Não consegui me ver fudendo ela como fizera tantas vezes no passado. Dei todo o carinho que aquela mulher merecia. Não deixei que se sentisse constrangida com seu corpo fora dos padrões sem sentido dos machos primais da raça humana. A fiz sentir mulher, mulher amada e mulher completa. Pelo menos por aquelas horas que o carro encostado numa estrada qualquer passou.

Michelle sorria como nunca, o suor e o calor daquele carro traziam sempre boas recordações da perfeição que fora aquele momento compartilhado. Ela prendeu o cabelo com um rabo de cavalo, estava linda daquele jeito, eu recostei o banco, com minha mão em seu pescoço, passeando, descobrindo suas pintinhas, seus músculos, sua coluna. Ela deu partida e disse que poderia me levar para sua casa, em São Paulo. Neguei. Disse que não era tempo de parar. O silêncio seguinte durou horas, tempo que rodamos aparentemente sem rumo certo.

Nesse longo mergulho ao grande abismo do silêncio compartilhado, pensei na Julia, queria encontrar-la. Pedi para Michelle me acompanhar, tentei ser delicado, explicar que não me achava homem suficiente por ter abandonada-a grávida numa cidade qualquer no meio do nada. Não tínhamos idéia por onde procurar.

Sei que a pequena tentava segurar o choro, via que eu era um tigre indomável, que não iria deixar que me pusessem uma coleira assim tão fácil. Viu que da mesma maneira que a perfeição pousou como uma leve pluma em seu corpo tímido, qualquer brisa poderia soprar essa pluma pra longe. Eu era assim, jogado pelo vento. Não queria ter nenhum outro guia se não os ventos do desejo. Ela poderia se jogar comigo, mas mais cedo ou mais tarde, sua alma pesaria, toda alma pesa uma tonelada quando amargurada. E eu duvidava muito da minha capacidade de fazê-la feliz para sempre. Afinal contos de fada não existem, e eu me prometi naquele momento. Deixaria o vento me levar, não me apegaria a nada e a ninguém. A boca não seguiu a consciência, e soltou palavras aonde prometia ficar com ela. Me tornará um mentiroso, mas isso não significou muito. O importante era o hoje. Dormimos em um motel na estrada. Pela primeira vez em anos dormi com uma mulher sem pensar constantemente em fuder. Ela se deitou em meu colo e adormeceu, eu permaneci acordado. Como todas as noites, o pesar do escuro, talvez o pesar de toda a luz que se afundou e pressiona você contra a cama me mantêm desperto. Pela manhã iria dizer que a próxima parada seria Londrina.

terça-feira, junho 10, 2008

Não dá mais: preciso de mais tempo livre. Muito tempo livre. Rápido. Preciso de uma puta noite de sexo até suar, sexo de escorrer até a ultima gota. Preciso desabar. Perder o fio, me acabar. Quero tocar num Pub sujo e beber vodca no gargalo. Não tenho mais tempo pra tudo isso.

Estou quase derretendo nesse escritório infernal. O sol reflete nas janelas feito as paredes de um microondas lá fora. E eu escorro nessa bancada feito um lagarto preguiçoso. Não escorro do jeito que gostaria. Num quarto de hotel no Centro de SP nos braços da garota. Escorro de exaustão e incomodo com esse calor insuperável. Até meu coração afunda feito chumbo com esse dia pastoso que escorrega sentido o amanhã.

O pior de tudo é que nessa sala forno, minha boca seca, meus olhos secam e até meu nariz seca. Na verdade, duvido que alguma coisa possa melhorar por aqui. Basta ter acordado completamente errado hoje, todo fodido e torto tenho que encarar esse calor descomunal. Podiam ver se minha consciência tá por aí passeando na Paulista. Afinal, qualquer ser com o mínimo de auto indulgência fugiria disso aqui.

Nem escrever eu tenho vontade. Escrevi, obviamente, pois não tenho como não escrever. Porém em um ambiente normal, eu estaria escrevendo de boa vontade e não de desespero. Tem alguma coisa errada e eu não sei o que é, nem de onde vem.

Meu chefe chegou de mal humor, está com problemas na conta de celular dele, então resolveu aumentar a temperatura da sala a um nível que parecesse normal ao seu temperamento pré enfarte. E não acontece nada aqui, o serviço praticamente rasteja devagar rumo ao mínimo necessário que se deve ser feito. A tão agitada e cobiçada vida cultural paulista parece morta, não tem acontecido nada de interessante, ou o calor dessa sala me roubou o interesse das coisas.

Esse ambiente estagnou. Estou quase saindo por aí, chutando as poças da água e derrubando as coisas. Mas como posso fazer isso se não chove a tanto tempo? Se o calor já deixou o ambiente em estado de seca crítica? Preferia nessas horas não ter tato, não ter sentido, não ter percepção das coisas, apenas sentar e digitar as ordens burocráticas e chatas.

Minha mãe foi ridícula. Fiquei fingindo trabalho, me virei bem como um palhaço para disfarçar a falta de resultados. Andei, rodei, andei e mordi meus lábios. Prisioneiro de um sistema. Mesmo conectado a tudo estava inacessível, incomunicável, preso e escutando Smiths por apatia de buscar outra coisa.

Mais já já acho que as coisas mudam, eu vou sair, vou deixar esse universo estéril pra trás e vou pro centro do mundo. Me jogo na Av. Paulista a cem por hora. Isso me dá adrenalina e gás pra esquecer o inferno. Então aposto que as coisas ecoaram da forma correta. Esse lixo terá escoado pelo ralo. Então estarei isolado, mas estarei isolado em que me importa.

Mais duas horas. E nada mais, duas horas e um beliscão para recobrar a realidade. Isso. Vou amassar as folhas, e viver, mesmo porque viver é algo passageiro, amar é atemporal, amar é a saída pra esse martírio que é o dia a dia numa empresa. Se eu parar de amar, podem chutar minha bunda pra fora do planeta terra. Cuspam na minha cara, rasguem meio peito e encham de esterco.

Quero vida.

segunda-feira, junho 09, 2008

John Fante - Escrevendo a vida.

Um moleque, garoto que só, filho de um pedreiro italiano e uma mãe extremamente religiosa. Nasceu no Colorado em 1909, cresceu em meio a pobreza e ao preconceito típico aos estrangeiros naquela época. Existia somente uma meta, uma meta que quase o conduzia a insanidade, ele queria ser escritor.

Seu sonho o conduziu até a Califórnia. Lá, trabalhava no que aparecia, muitas vezes se submetendo a situações degradantes. Vivia jogando-se em quartos de hotel de quinta categoria e seu talento de escritor só começou a aflorar com a publicações de pequenos contos na revista “The American Mercury”. Nessa altura já existia muito do que viria a ser o seu alter-ego, “Arturo Bandini”.

É nesse ambiente dúbio que um dos maiores novelistas norte-americanos surgiu e cresceu. Apesar de um começo quase meteórico, com dois romances de sucesso, logo caiu no esquecimento, tendo obras rejeitadas e uma família pra cuidar. Havia se casado com sua fiel mulher e teve quatro filho, viver de escrever romances e contos não estava funcionando. De maneira quase irônica, Fante achou a maneira mais nojenta de ganhar dinheiro, escrever roteiros para Hollywood.

Mesmo detestando escrever roteiros, de certa forma conseguiu criar uma sustentabilidade e assim conseguiu uma casa pra sua família em Malibu. E somente doze anos depois lançou outro romance. “Full of Life”.

Porém o Inferno só tinha esquentado os pés de Fante, o garoto que sonhava ser escritor teve complicações sérias com diabetes e acabou por ter uma perna amputada e por fim mergulhar na escuridão de ficar cego. E foi o velho safado que salvou a pele de Fante com a republicação de suas obras, Bukowski foi parte responsável pelo redescobrimento dos trabalhos de Fante. Isso foi suficiente para um último suspiro desse escritor, que em seu leito ditou seu último livro para sua esposa. “Sonhos de Bunker Hill”. John Fante morreu em 1983. E desde então seus livros tem sido alvo de novas edições e finalmente tem sido reconhecidos como primor de literatura.

Em suma, o cara é extremamente foda, e principalmente os romances que são protagonizados pelo Bandini são obrigatórios para qualquer um ler. Procure: Pergunte ao Pó, Espere a Primavera Bandini, Estrada para Los Angeles, Sonhos de Bunker Hill.

Era tempo de festas e tempo de rei

Era tempo de festa. Não festa marcada e doutrinada como hoje. Era tempo de festa. Uma frase completa por si só. Verão, calor, longas férias regada de brincadeiras. Pique-esconde, polícia e ladrão, futebol, piscina, video-game e apenas o gozar da diversão sem compromisso. Eu morava num prédio de vinte andares, com dois apartamentos por andar, apesar de não parecer tanto hoje em dia, eu achava o máximo, um universo inteiro. Tinha os irmãos coreanos, tinha o vizinho gordo, a garota da cobertura, os irmãos do décimo primeiro andar, o neto do zelador, o vizinho de cima anos mais novo e um universo inteiro para ser explorado dia após dia.

Naquele verão em especial, o pai do moleque do vinte dois, então síndico da época resolveu organizar um campeonato de ping pong no prédio, em parte para comemorar a mesa novinha que havíamos ganho. Eu, como sou até hoje, era péssimo nesse esporte. Mas de não conseguir mais do que duas ou três seqüências de bater e rebater a bolinha. Fui eliminado na primeira rodada numa lavada épica. Nem por isso deixei o clima de festa baixar. Era tempo em que eu era rei.

O campeonato tinha gente que eu nunca tinha é visto por lá. Em especial uma guria morena, devia ter a minha altura, e olha que sempre fui um cara de altura avantajada. Nunca havia visto nem sequer sombra daquela menina. Ela tinha corpo esbelto, não era o corpo de menina que as outras tinham, era um corpo que esbanjava feminilidade característica de meninas virando garotas. A inocência do rabo de cavalo que balançava de lá pra cá existia. O olhar jovial, em busca de novidades, o olhar que brilha tanto nas crianças estava lá. Mas o corpo, o andar, os gestos redondos, a boca sempre umedecida e o perfume que deixava no ar era alto totalmente inédito, eu nunca havia vivenciado uma mulher que não fosse ou a irmã mais velha e mais chata de algum amigo, a mãe, a tia ou mesmo uma menina da minha idade que passava com total desinteresse.

Tratei de me apresentar, mais por uma inércia de um movimento desconhecido. Lamentei o fato que ambos havíamos saído na primeira rodada do campeonato, e perguntei de onde ela havia surgido. Ela sorria, e se mostrava extremamente animada e receptiva ao meu flerte. Que na época não passavam de uma curiosidade aliada ao fato que meus amigos, a minha turma, o meu circulo de proteção ainda estava entretido nas partidas de ping pong.

Jackeline, era esse seu nome, Jackie, logo tratou de me adiantar que preferia ser chamada pelo apelido. Soube que estava no apartamento oitenta e um e que havia se mudado de Santa Catarina para São Paulo a poucos meses. Mal conhecia um passo fora de seu novo lar e que morava agora com sua tia, que depois causou um alvoroço no prédio pois além de ser modelo, a tia da garota saiu na playboy, num daqueles pequenos ensaios que saem no final da revista.

Logo passei a ser o foco da turma. Eu, justo o pior jogador de ping pong era o cara que flertava com sobrinha da gostosona da playboy. Quem diria? A inveja infantil era fruto da minha glória. Adorava repassar cada detalhe para meus amigos que já pouco se importavam no campeonato que havia terminado com nem me lembro quem como campeão. No dia seguinte, alimentado pelo ego desproporcional que havia crescido, liguei no apartamento oitenta e um e logo fui atendido pela doce voz de Jackie, ela me convidou para subir em seu apartamento.

O até então desconhecido flerte de fato funcionava, eu que não sabia de nada, por mim subiria, assistiríamos TV ou algo do gênero. Pois lá estava eu, de joelho ralado, shorts velho e a camiseta do meu time na porta dela. Jackie aparece vestindo uma sainha curta, uma uma camiseta rosa e o cabelo preso no famigerado rabo de cavalo, estava impecávelmente arrumada, desde seus lábios umedecidos até sua pele que parecia saída de um comercial de produtos de beleza. Foi um baque. Não sabia o que estava acontecendo, meus amigos atônitos observavam escondidos da escada de serviço enquanto Jackie me puxava pela mão casa a dentro.

Tratou de me mostrar a casa toda, explicar que a tia dela não estava e para meu total desespero me mostrou a playboy da tia. Aquilo já passara dos limites, eu era um garoto, não era homem ainda, não sabia o que fazer, me constrangia de ver playboy na frente de um cara que não fosse da turma, na frente de uma garota me parecia uma blasfêmia. Visitamos a sala da casa, ela me falava que assistia TV ou conversava com a tia ali, e eu suava bicas pela nuca, a cozinha, aonde aceitei água e chocolate, num instinto claro de postergar o momento de conhecer o quarto dela, meu coração batia feito bumbo de bateria, com passos curtos, entramos no seu quarto, ela mostrou sua colação de papéis de carta e seus bichos de pelúcia depois me convidou para sentar em sua cama. Isso estava errado! Meus amigos não me convidavam pra sentar em suas camas. Sentei e ela sentou-se do meu lado e perguntou o que eu estava achando da casa.

“Tem bastante espaço livre né?”

Foi a primeira coisa que me veio a cabeça, afinal, o apartamento não era tão pequeno e lá só moravam a Jackie e sua tia. Suor, mãos geladas, corpo tenso e uma mordida constante no lábio inferior denunciavam minha tensão.

Ela vai pegar na minha mão em qualquer momento, vai me beijar, sei que vai, esse perfume doce de maçã vai ficar na minha roupa, o gosto de seu batom de cereja na minha boca, seu corpo quente esquentando meu corpo trêmulo e sem a menor idéia de como lidar com tudo aquilo e a história de tempos de reis aonde a princesa conquista o cavaleiro.

Não lembro se tudo foi como eu previ naqueles cinco micro segundos antes do beijo, sei que ela pegou na minha mão, o beijo foi desastroso, eu não sabia direito o que estava fazendo, parei de súbito e ela perguntou o que foi, eu fingi uma dor no joelho e depois me entreguei ao primeiro beijo, o inesperado e inesquecível primeiro beijo.

Mais do que nunca era tempo de festas e tempo de rei. Nos próximos dias eu fui rei, fui o desbravador de mares ainda desconhecidos por essa trupe. Dos meus amigos, poucos mantenho contato, da Jackie nem mantive contato a curto prazo, ela acabou por voltar para Santa Catarina logo em seguida. Mas foram bons tempos de rei.

sexta-feira, junho 06, 2008

Era tempo de rei quando surgiu esse projeto. Eu mais o Edu sentamos e com um sonho fresco começamos nossa banda. Hoje temos um som que é mistura de Folk com Rock, estamos com uma pegada legal e enfim cheguei em algo que tenho orgulho de falar que é uma banda que faço parte. Juntamos com o Filippo e o Bruno e tamos ai. Com todo esse lance modernoso de internet e etc, cheguei no portal do Motomix, eu venho pedir encarecidamente que entrem no portal, escutem as duas músicas que estão no site e digam digam que gostaram, é importa pra nós, estamos a muito tempo nessa e sentimos que a hora é agora para aparecer para o mundo. Por favor, divulguem, passem para quem puder... aí vai o link das duas músicas.

http://www.motorolamotomix.com.br/som.aspx?id=857

http://www.motorolamotomix.com.br/som.aspx?id=858

Valeu pela força mesmo.

quinta-feira, junho 05, 2008

Em Busca do Eu - 12

Não sei mais compreender o tempo. Ele não fazia mais o menor sentido. Por vezes rápido e por vezes tão devagar. Me pareciam anos desde que o Seu Osvaldo havia me resgatado da perdição em que me encontrava. Aquele desassossego não me importunava mais. Acho que foram tantas quedas, seguidas e tanto sangue derramado no asfalto que finalmente havia me cansado. Esta perto do Paraguai, o homem havia me dado um bom emprego. A loucura não era mais minha companheira. Tinha pena de que Julia não podia compartilhar desse momento de paz comigo.

Um dia eu escrevi uma carta pra ela, passei horas narrando tudo que aconteceu. Carta em mãos, lá estava toda a dor que eu sentia naquele quarto de hotel sujo, lá estava todo o desespero que quase me fez arrancar os cabelos... tudo aquilo que não me levara a nada. Louco? Sim, eu estava louco e perdido na vida. Agora esse velho, por mais danado que possa ser, no bom sentido, me mostrou... mostrou que posso encarar a vida de outra forma.

Eu sei que todas as noites me bate aquela velha inquietação, aquela vontade de sumir, de me mandar, de fugir do mesmo jeito que fugi de Julia, que fugi de meus amigos, minha família e minha cidade, mas é logo o dia raiar que eu me ocupo com os afazeres da fazenda, trato do gado, cuido da horta. Tudo aqui, nesse momento me parece que uma hora me rende dez horas, o dia se torna longo e um único e denso acorde, em sustentação eterna. A noite, a noção do tempo se perde de novo e de novo. Me sinto um ratinho de laboratório, que vai de lá pra cá e de cá pra lá sem propósito algum.

Acho que nesses dias de suspensão, minha alma cabe dentro de uma caixinha de música. Tenho me sentido pequeno, quieto e irreconciliável. Talvez agora eu seja o que meus pais sempre queriam. Mesmo porque adotei Seu Osvaldo como meu pai, apesar do ódio e do nojo que tenha de mim mesmo em certos momentos.

De concreto sei que estou ajudando nas preparações para a festa de reis na cidade. Coisa de interior mesmo, vai ter umas barraquinhas na praça, vai ter uma banda no coreto, pessoas ouvindo música e dançando. Sei que eu estava de cima da escada pregando as placas que orientavam a direção das comidas, das atividades e dos banheiros quando uma pequena guria de pele branca, cabelos ruivos e sorriso meia lua me tocou a batata da perna.

Ela me oferecia uma pequena caixinha de pregos, porém isso pouco me chamou a atenção. Eu já havia visto ela por vezes na missa. Porém nunca tinha reparado no belo corpo que tinha. Da posição privilegiada que a escada me oferecia, me deparei com o busto dela, cheio de sardas que me levavam a devaneios até o decote fechar exibindo um belo par de seios, naquele momento meu equilibro balançou, devo ter feito alguma careta grotesca pois ao mesmo tempo que derrubei o martelo, que passou assoviando ao lado do dona da venda que arrumava umas fitas no poste, a garota caiu na gargalhada devido a minha trapalhada clássica.

Desci da escada agradeci ela ainda sem jeito, naquele momento me sentia o velho animal instintivo e primal. Queria possuir ela, de todas as maneiras, queria encher a cara... mas um canto de consciência me mostrou polidamente que necessitava de mais cautela ali. Sorri e puxei um papo sobre a festa, a convidei pra um jantar mais tarde na lanchonete da praça, velho papo de ser novo na cidade, ainda não conhecer bem as pessoas. Acho que seria até mais fácil do que imaginava.

De resto passei o dia arrumando a festa, com a cabeça na ninfeta. Aquele par de seios não me saiam da cabeça. Já estava na hora, aquele sexo visceral com a Julia já completava quase um mês. Arrumei todas as placas, ajudei a levantar uma barraca e carreguei o equipamento da banda. Depois satisfeito com o dia de trabalho fui pra um banho e me preparar o bote, aquela ninfeta não me escaparia nem em mil anos. Me pesou um pouco o fato que o velho me dera abrigo, me dera uma nova vida, mas foda-se agora o lance era comer essa garota.

Quero que chegue logo sábado, vou eu mais minha raposa pra um hotel, quero beber, quero que leiamos Leminski juntos... quero saber o que ela achou do Pergunte ao Pó, quero comer comida chinesa... quero um apartamento, mas isso eu não consigo pra sábado, uma pena. vou fazer blues com a minha garota, tocar sobre a noite, sobre os bêbados e sobre o pó, porque tudo sempre volta ao pó, quero é poder... foda-se muitas coisas, alguém aí sabe de uma camiseta bacana do Television e uma camiseta bacana da Amy Winehouse, minha conta já está no vermelho, mesmo assim eu quero...

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Acho que esse blog tá tomando uma cara diferente, um pouco mais pessoal. Não sei ao certo porque faço isso, de certa forma me exponho aqui sem pretensão... acho que faço isso pra não explodir, cada vez mais tenho certeza que escrever é um ato egoísta na essência e que como consequência atinge outras pessoas. Essa cara nova do blog está me deixando quebrar minhas armaduras... me entregar mais a escrita, vamos ver aonde vai.

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Dias 5 e 6 de Julho, irei apresentar um exercício cênico que estou dirigindo em parceria com meu grande amigo Renato Banti. Fragmentos – Um Retalho de Contos... nome provisório que acabei de bolar... é uma série de contos brasileiros costurada dentro de uma idéia de ritual tribal: Machado de Assis, Guimarães Rosa, Luiz Ruffato e Daniel Galera, sim porque pra mim, literatura não tem data ou reconhecimento, tem identificação, se esses falam igual com a alma do povo.... eles merecem ser tratados de forma igual.. A peça vai ser graça no teatro da puc – consolação (fica na rua marquês de paranaguá). Estamos promovendo a valorização daquele espaço. Depois vai rolar a tradicional cerveja na praça roosvelt e bom gostaria que quem visita por aqui e for viável, vá lá, assista, opine... vai ser importante. Depois falo mais disso.

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enchantagem


de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade

quarta-feira, junho 04, 2008

Tem hora é que devemos mandar a sobriedade a merda. Tem dia que sempre é sexta-feira e que alguma coisa tem que acontecer. Quero porque quero que seja sexta. Quando o Radiohead vai deixar de fazer doce e virá pro Brasil?

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Bom foda-se o desejo de ver o Radiohead, querer eu quero, mas nem tudo é quero porque quero. Ontem eu estava num trabalho nove de julho, e na hora que sai resolvi ir andando até um boteco pegar um café e comer alguma coisa. Eram três e meia, eu estava liberado e ainda ia levar algum tempo para me encontrar com a raposa na Paulista. Estava lá por perto e tinha que matar o tempo de preferência longe de algum lugar que pudesse me tentar a gastar o dinheiro que não tenho.

Então algo bem estranho ocorreu: um guri que eu nunca tinha visto na vida se aproxima e me cumprimenta. Sorrindo disse que era do caralho a iniciativa minha na PUC com o pessoal, que ele era amigo de um dos meus alunos e que estava doido pra ver o resultado no final do mês. Para quem está boiando, eu faço parte da direção de um grupo de teatro universitário. O cara ainda disse que esse aluno havia passado meu blog e que fulano havia gostado muito. O que mais me radiou de gosto foi saber que o cara vestia uma camisa do Clash e estava zanzando na cidade em pleno horário comercial. Do caralho saber que o povo que freqüenta esses rabiscos são gente assim.

Agora que é foda ter alguém te parando pra falar que tu faz algo bacana, é mesmo, não tem como negar, mas eu nunca fiz isso por ninguém além de mim mesmo. Escrever é um ato egoísta pra caralho. Escrever é sair do mundo e deixar que o resto se foda... e muitas vezes (se não todas) se jogar na merda pra achar o que presta. Digo que gosto que alguém se identifique e de alguma maneira tenha gosto em ler o que cuspo aqui, mas isso é consequência de uma inquietação que não me deixa calar a boca.

O mais louco é que esse que escreve aqui, quando tinha uns 15 anos, era a porra do cara estranho da escola. Cabeludo, mal encarado, bobo. Meu gosto amadureceu muito sim, mas desde daquela época eu era o cara que curtia 70's Punk, Blues, Beatles e uma boa breja gelada, vestia mais ou menos a mesma coisa com exceção talvez de mais camisas de banda. Cortei o cabelo mas agora tenho barba, ou seja a quantidade de pelo não mudou. Era o cara que tocava guitarra, e mandava o professor a merda se ficasse com vontade. Era o mesmo cara que foi excluído das panelinhas de mauricinhos e patricinhas do colégio particular. O cara que passou por revolta e muitas vezes botou o colégio abaixo. Se antes botava uma bomba, hoje preparo uma bomba na forma de teatro. Porém, não obstante, fato é que antes eu era o marginal. Nunca fui considerado alguém que as pessoas olham e falam, daí pode sair algo. Alias até o sem futuro já fui taxado. Considerado que meu apelido no colegial já foi “margina” (assim mesmo) dá pra ter uma idéia.

Se é que mudou algo, agora tenho uns quilos a mais, bebo uísque e conheço mais música. Ainda não achei a tatoo que me faça querer ter pra sempre comigo, ainda gosto de escutar Clash quando vou nos jogos do meu time.
E me digam, dá onde veio a luz que me tirou da margem ontem, nem que por um minuto, fui o centro de algo totalmente alheio a minha vidinha. De onde? Eta mundo doido.

“The ice age is coming, the sun's zooming in
Meltdown expected, the wheat is growing thin
Engines stop running, but I have no fear
Cause London is drowning and I, live by the river”

segunda-feira, junho 02, 2008

Estou entre os pensamentos, ruminando uns desejos antigos. Estou com o desenrolar de Na Margem (Em Busca do Eu) rabiscado na minha cabeça. Talvez a história rume de alguma forma para Buenos Aires, afinal uma cidade dramática, com tango e mulheres elegantes trariam o clima necessário para o desfecho que ando preparando. Aonde será que o narrador enfim desistirá, agradecerá e deixará a história?

...

Mas acho que o que mais me cutuca nessa noite fria são as dúvidas, pensamentos, vontades. Amor? Parem tudo. Eu simplesmente quero porque quero. Acho que a gula é um câncer antes de evoluído, só aumenta e piora, aumenta ao ponto que um dia vai me fazer pedir morfina, ou gritarei de dor até a morte. Algo irracional, o comer pelo comer, o comer pra jogar o problema pra depois. Todo dia a gente aprende algo novo. E eu estou aprendendo que lutar contra impulsos que vem lá de dentro não é tão trivial quanto o manual dizia.

...

Se não luto contra minha gula, me pego contente remoendo aquele sentimento gostoso que é olhar no fundo dos olhos de alguém, aquele alguém que simples por acaso, deita a cabeça no seu peito e não espera mais nada. Os olhos estão ali, estranhamente belos e hipnóticos. Tudo ali na minha frente, debaixo do meu nariz de batata. Me pertencem tanto quanto os meus já não me pertencem por completo. É tudo pó e luz, aquele momento que tu se pega, com um raio de luz iluminando a poeira que o tão limpo quarto antes escondia dos olhos. É nesse momento que você vê que existe algo no ar, algo entre o meu olhar e o dela. E esse algo é foda.

...

Por fim estou com tanta leitura pra fazer mas por vezes me perco na poesia do velho safado do Buk, o cara é foda. Vou ver se essa semana acabo o De Cabeça Baixa do Flávio Izhaki, fica aqui já o elogio pra esse cara que tá lançando esse grande livro e promete muito na literatura brasileira, escrevo algo do livro em breve. Quero começar logo o Trapo do Tezza, esse livro é foda, eu li a muito tempo, e está dentro da minha lista de releituras para 2008. E ainda empolgado pelo Nome Próprio devo ler pela primeira vez um livro da Clarah, uma grande escritório que até então eu só tinha acompanhado pelos blogs mesmo. E mesmo assim o grande Buk não sai do meu imaginário que fica mais e mais rico a cada poema descoberto. Fiquem com esse aqui:

Big Night On Town

drunk on the dark streets of some city,
it's night, you're lost, where's your
room?
you enter a bar to find yourself,
order scotch and water.
damned bar's sloppy wet, it soaks
part of one of your shirt
sleeves.
It's a clip joint-the scotch is weak.
you order a bottle of beer.
Madame Death walks up to you
wearing a dress.
she sits down, you buy her a
beer, she stinks of swamps, presses
a leg against you.
the bar tender sneers.
you've got him worried, he doesn't
know if you're a cop, a killer, a
madman or an
Idiot.
you ask for a vodka.
you pour the vodka into the top of
the beer bottle.
It's one a.m. In a dead cow world.
you ask her how much for head,
drink everything down, it tastes
like machine oil.

you leave Madame Death there,
you leave the sneering bartender
there.

you have remembered where
your room is.
the room with the full bottle of
wine on the dresser.
the room with the dance of the
roaches.
Perfection in the Star Turd
where love died
laughing.

Vou fazer uma tradução livre do poema, eu adorei esse e pra quem não entende inglês fica aí:

Uma Grande Noite na Cidade

bêbado nas ruas escuras de alguma cidade.
é noite, você está perdido, aonde é o seu quarto?
Você entra num bar para se encontrar,
pede uísque e água
maldito bar empoçado, acaba ensopando
parte de uma das mangas de sua
camiseta
É um boteco safado – o uísque é fraco.
você pede uma garrafa de cerveja
A madame morte caminha até você
usando um vestido.
Ela se senta, você compra pra ela
uma cerveja. ela fede a um pântano, e pressiona
a perna contra você.
O atendente do bar desdenha
você o deixou preocupado, ele não sabe
se você é um policial, um assassino, um
louco ou um
idiota
você pede por uma vodca.
Você despeja a vodca no gargalo
da garrafa de cerveja.
É uma da manhã. Num mundo de vacas mortas.
Você pergunta pra ela quanto por uma chupeta,
engole tudo goela abaixo, tem gosto
de óleo de maquinário.

Você deixa a Madame Morte ali,
você deixa o desdenhoso atendente
ali.

Você se lembro aonde
seu quarto fica.
O quarto com uma garrafa de
vinho na mesa de canto.
O quarto com a dança das
carpas.
Perfeição na Excreção da Estrela
aonde o amor morreu
gargalhando.

...

e uma homenagem ao Bo Diddley... quem não conhece, corre atrás que é coisa fina.