quinta-feira, junho 12, 2008

Em Busca do Eu - 13

Foi mais fácil do que eu pensava, em meados das festas de final de ano, afrouxaram a segurança, mesmo porque me portei muito bem. Recebia os repórteres que insistiam na matéria do ano, inclusive para uma delas, uma garota mirrada: cara de aluna mais inteligente da turma, aquela que senta na primeira fileira, usa óculos de armação grossa, não bebe, não fuma, não causa rolo, puxa o saco dos professores e que por incrível que pareça aparentava ser extremamente sexy. Era uma garota assim, que certa vez veio me entrevistar para um site de cultura alternativa, não entendi direito a relevância da matéria ou mesmo o porque do interesse deles que me viam como um herói. Ela sorria, sua boca imensa, os lábios duas frutas suculentas, uma vontade de morder. Perguntava coisas sobre a viagem, os lugares que parei, as pessoas que conheci, e finalmente sobre o Chile. Como eu chegara lá? Foi nessa pergunta que estanquei, e por um breve instante bolei um plano audacioso. E se essa garota mirradinha me tirasse daqui? De quebra podia arrumar uma boa transa. Aquele jeitinho de nerd já estava me deixando fora de si. Me aproximei um pouco e sussurrei que queria pular fora dali, que ela poderia me ajudar e fazer parte dessa minha grande história.

Era fácil perceber os olhos dela brilhando, dois diamantes reluzindo por detrás das lentes dos óculos. Ela confirmou que estava de carro e confessei que pouco sabia de qualquer coisa fora daquela propriedade. Ela disse que tentaria distrair os armários e que eu pularia no carro no meio tempo. Aceitei, mesmo porque não tinha muito a perder, só fiquei muito cético se aquela garotinha seria capaz de chamar a atenção de macacos pouco evoluídos que só pensam ainda em bundas e seios quando se associa a palavra mulher. E não é que ela se saiu bem, deve ter se feito de vítima ou sei lá eu o que. Sei que nem se quer desconfiaram de quando me joguei no banco de trás do do Ford K, levei um cobertor que tratei de usar para me esconder e aguardei os ares da liberdade.

O barulho do carro e o balançar eram ninar para uma criança a muito desesperada por carinho. Esperei, devaneei, finalmente estava livre novamente. Por que era tão foda simplesmente não ter vinculo com nada? Por que o mundo fazia tanta questão de me tornar parte dele? Eu não queria o mundo, e queria apenas ser respeitado quanto a isso. Meus pensamentos a mil, iam da Patagônia até o Alasca, quase me esqueci de Michelle que com tamanho afinco havia comprado o plano de me tirar daquele buraco. Fui acordado do sonho desperto pela mão carinhosa dela que me tocava a cabeça escondida no cobertor. Me levantei, pude ver a estrada, a amada estrada, minha amante secreta, esse pedaço de piche e terra que me leva aos almejados sonhos.

Ela sorria, e tinha a respiração ofegante, seu peito miúdo, com seios que pareciam feitos para encher uma mão e nada mais, subia e descia para cada inspiração e expiração. Uma dose de adrenalina fora do comum tinha injetado nova vida nessa garota, sorri por fazer parte disso, ela sorriu um consenso, perfeito entendimento em silêncio, onde palavras poderiam ser bruscas demais para tamanha delicadeza de harmonia.

Isso deve ter durado alguns bons minutos, meu sorriso complacente, meu olhar pousado em sua fragilidade. Seu sorriso bobo, atenção focada na estrada, vez ou outra dividida com meu atento vigiar. Muito tempo depois ela explodiu em gargalhadas frenéticas. Eu nada pude fazer se não explodir junto, rimos por mais de cinco quilômetros, rimos até a barriga doer, o fundo dos meus olhos já lacrimejavam, rimos de puro gozo de viver. Ela vivia pela primeira vez, era prisioneira de uma sociedade que eu já havia matado. Eu vivia em liberdade, depois de um cárcere maldito, uma jaula forjada pelo meu próprio sangue. Olhava aqueles dois frutos em formato de lábios, ainda trêmulos de tanta risada, ansiava, pedi para ela encostar o carro.

Segurei pela nuca, mão firme e a puxei para um beijo longo, um beijo que era claro ser o primeiro de verdade em muito tempo que ela garota recebia. Nossas línguas, nossos corpos, era tudo intenso ali no banco daquele carro, ela não recuava, ela vivia, vivia como nunca tinha vivido. Eu acariciava todo aquele corpo, um corpo pequeno, delicado e traumatizado. Ela se mostrava totalmente surrada pelas constantes imposições de um mundo cada vez mais totalitarista e cruel. Fizemos amor ali. Não consegui me ver fudendo ela como fizera tantas vezes no passado. Dei todo o carinho que aquela mulher merecia. Não deixei que se sentisse constrangida com seu corpo fora dos padrões sem sentido dos machos primais da raça humana. A fiz sentir mulher, mulher amada e mulher completa. Pelo menos por aquelas horas que o carro encostado numa estrada qualquer passou.

Michelle sorria como nunca, o suor e o calor daquele carro traziam sempre boas recordações da perfeição que fora aquele momento compartilhado. Ela prendeu o cabelo com um rabo de cavalo, estava linda daquele jeito, eu recostei o banco, com minha mão em seu pescoço, passeando, descobrindo suas pintinhas, seus músculos, sua coluna. Ela deu partida e disse que poderia me levar para sua casa, em São Paulo. Neguei. Disse que não era tempo de parar. O silêncio seguinte durou horas, tempo que rodamos aparentemente sem rumo certo.

Nesse longo mergulho ao grande abismo do silêncio compartilhado, pensei na Julia, queria encontrar-la. Pedi para Michelle me acompanhar, tentei ser delicado, explicar que não me achava homem suficiente por ter abandonada-a grávida numa cidade qualquer no meio do nada. Não tínhamos idéia por onde procurar.

Sei que a pequena tentava segurar o choro, via que eu era um tigre indomável, que não iria deixar que me pusessem uma coleira assim tão fácil. Viu que da mesma maneira que a perfeição pousou como uma leve pluma em seu corpo tímido, qualquer brisa poderia soprar essa pluma pra longe. Eu era assim, jogado pelo vento. Não queria ter nenhum outro guia se não os ventos do desejo. Ela poderia se jogar comigo, mas mais cedo ou mais tarde, sua alma pesaria, toda alma pesa uma tonelada quando amargurada. E eu duvidava muito da minha capacidade de fazê-la feliz para sempre. Afinal contos de fada não existem, e eu me prometi naquele momento. Deixaria o vento me levar, não me apegaria a nada e a ninguém. A boca não seguiu a consciência, e soltou palavras aonde prometia ficar com ela. Me tornará um mentiroso, mas isso não significou muito. O importante era o hoje. Dormimos em um motel na estrada. Pela primeira vez em anos dormi com uma mulher sem pensar constantemente em fuder. Ela se deitou em meu colo e adormeceu, eu permaneci acordado. Como todas as noites, o pesar do escuro, talvez o pesar de toda a luz que se afundou e pressiona você contra a cama me mantêm desperto. Pela manhã iria dizer que a próxima parada seria Londrina.

Nenhum comentário: