segunda-feira, junho 16, 2008

Senhora dos Afogados - Antunes Filho

Antunes Filho é um dos maiores diretores de teatro do Brasil. Fato? Com certeza, e provado com décadas de produção teatral da mais alta qualidade. Sua última montagem é um dos grandes textos de Nelson: Senhora Dos Afogados, uma tragédia em três atos. Nada mais conveniente para um diretor que explorou a fundo o teatro grego e agora voltou pronto para encarar uma das peças mais complicadas desse nosso dramaturgo.

Talvez uma das coisas mais doidas nessa montagem, assim como na obra de Nelson, é esse jeito fanfarrão, um equilíbrio delicado entre o drama quase trágico que cutuca e brinca com o humor canastrão. E justamente no diretor, que a mais de 20 anos a estética pornográfica e melodramática foi desmitificada. E Nelson é tudo isso mesmo, é drama, é trágico, é comédia, é escracho, é pornografia e é melodrama.



Mergulhar na obra do Nelson não é pra qualquer um. E com certeza nunca se volta igual. Afinal, nesse mar, os mortos nunca são cuspidos e volta, e nem mesmo bóiam. È difícil engolir essa obra. Complicado tanto na estética tanto no estudo conceitual do todo. E Antunes como sempre fez com maestria. E ainda por destacar o excelente trabalho dos atores, com destaque para o Lee que faz o pai da família, Misael.

E que trama! Das fontes gregas Nelson sempre confessou beber, e dessa vez bebeu com gosto. Uma filha que primeiro busca assassinar suas irmãs na busca de ser filha única, em seguida dá um jeito de despachar a mãe para ser a única mulher de seu pai.

Um fato bacana é que Antunes traduziu bem um detalhe da tragédia brasileira de Nelson. Ali morreu, acabou, é mixaria. Não existe o sofrimento eterno, a ira dos deuses e o fim de tudo. Ali existe o fim pela morte, e logo passasse para o próximo plano. Isso fica claro e fica demais na peça. Passando um sentido de atualidade imenso.

Detalhe, e show a parte para o coro que representa a vizinhança. O coro melhor do que nada representa nossa sociedade. Hipócrita e interesseira. E o povo que não teve chance de brilhar, faz o que pode para sobreviver entre os ratos. É o povão, somos nós. Mesmo as putas foram trabalhadas para serem putas do povo, num trabalho bem interessante de banalização e finalmente degradação desse personagem que por vezes é super valorizado.



Teatro devia ser base da sociedade. Ali temos todos os tapas na cara necessários para acordar e enxergar a podridão que nos cerca. Resta agora esperar a montagem da mesma peça por outra grande figura do nosso teatro, Zé Celso. Que venha o carnaval, estarei na primeira fila vibrando feito criança.

Agora com autoridade devo afirmar, quem sou eu para escrever uma crítica a cerca dessa obra? Ali tem Grécia, tem Nelson, tem Brecht, tem tudo, tem vida e tem teatro. Acho que ali existe uma aula pra quem quer fazer teatro. Existe arte.

Senhora dos Afogados
Quando: sex. e sáb., às 21h, e dom., às 19h; até 27/7
Onde: teatro Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, tel. 0/xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 5 a R$ 20 (Compre com antecedência em qualquer Sesc)

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