segunda-feira, junho 09, 2008

Era tempo de festas e tempo de rei

Era tempo de festa. Não festa marcada e doutrinada como hoje. Era tempo de festa. Uma frase completa por si só. Verão, calor, longas férias regada de brincadeiras. Pique-esconde, polícia e ladrão, futebol, piscina, video-game e apenas o gozar da diversão sem compromisso. Eu morava num prédio de vinte andares, com dois apartamentos por andar, apesar de não parecer tanto hoje em dia, eu achava o máximo, um universo inteiro. Tinha os irmãos coreanos, tinha o vizinho gordo, a garota da cobertura, os irmãos do décimo primeiro andar, o neto do zelador, o vizinho de cima anos mais novo e um universo inteiro para ser explorado dia após dia.

Naquele verão em especial, o pai do moleque do vinte dois, então síndico da época resolveu organizar um campeonato de ping pong no prédio, em parte para comemorar a mesa novinha que havíamos ganho. Eu, como sou até hoje, era péssimo nesse esporte. Mas de não conseguir mais do que duas ou três seqüências de bater e rebater a bolinha. Fui eliminado na primeira rodada numa lavada épica. Nem por isso deixei o clima de festa baixar. Era tempo em que eu era rei.

O campeonato tinha gente que eu nunca tinha é visto por lá. Em especial uma guria morena, devia ter a minha altura, e olha que sempre fui um cara de altura avantajada. Nunca havia visto nem sequer sombra daquela menina. Ela tinha corpo esbelto, não era o corpo de menina que as outras tinham, era um corpo que esbanjava feminilidade característica de meninas virando garotas. A inocência do rabo de cavalo que balançava de lá pra cá existia. O olhar jovial, em busca de novidades, o olhar que brilha tanto nas crianças estava lá. Mas o corpo, o andar, os gestos redondos, a boca sempre umedecida e o perfume que deixava no ar era alto totalmente inédito, eu nunca havia vivenciado uma mulher que não fosse ou a irmã mais velha e mais chata de algum amigo, a mãe, a tia ou mesmo uma menina da minha idade que passava com total desinteresse.

Tratei de me apresentar, mais por uma inércia de um movimento desconhecido. Lamentei o fato que ambos havíamos saído na primeira rodada do campeonato, e perguntei de onde ela havia surgido. Ela sorria, e se mostrava extremamente animada e receptiva ao meu flerte. Que na época não passavam de uma curiosidade aliada ao fato que meus amigos, a minha turma, o meu circulo de proteção ainda estava entretido nas partidas de ping pong.

Jackeline, era esse seu nome, Jackie, logo tratou de me adiantar que preferia ser chamada pelo apelido. Soube que estava no apartamento oitenta e um e que havia se mudado de Santa Catarina para São Paulo a poucos meses. Mal conhecia um passo fora de seu novo lar e que morava agora com sua tia, que depois causou um alvoroço no prédio pois além de ser modelo, a tia da garota saiu na playboy, num daqueles pequenos ensaios que saem no final da revista.

Logo passei a ser o foco da turma. Eu, justo o pior jogador de ping pong era o cara que flertava com sobrinha da gostosona da playboy. Quem diria? A inveja infantil era fruto da minha glória. Adorava repassar cada detalhe para meus amigos que já pouco se importavam no campeonato que havia terminado com nem me lembro quem como campeão. No dia seguinte, alimentado pelo ego desproporcional que havia crescido, liguei no apartamento oitenta e um e logo fui atendido pela doce voz de Jackie, ela me convidou para subir em seu apartamento.

O até então desconhecido flerte de fato funcionava, eu que não sabia de nada, por mim subiria, assistiríamos TV ou algo do gênero. Pois lá estava eu, de joelho ralado, shorts velho e a camiseta do meu time na porta dela. Jackie aparece vestindo uma sainha curta, uma uma camiseta rosa e o cabelo preso no famigerado rabo de cavalo, estava impecávelmente arrumada, desde seus lábios umedecidos até sua pele que parecia saída de um comercial de produtos de beleza. Foi um baque. Não sabia o que estava acontecendo, meus amigos atônitos observavam escondidos da escada de serviço enquanto Jackie me puxava pela mão casa a dentro.

Tratou de me mostrar a casa toda, explicar que a tia dela não estava e para meu total desespero me mostrou a playboy da tia. Aquilo já passara dos limites, eu era um garoto, não era homem ainda, não sabia o que fazer, me constrangia de ver playboy na frente de um cara que não fosse da turma, na frente de uma garota me parecia uma blasfêmia. Visitamos a sala da casa, ela me falava que assistia TV ou conversava com a tia ali, e eu suava bicas pela nuca, a cozinha, aonde aceitei água e chocolate, num instinto claro de postergar o momento de conhecer o quarto dela, meu coração batia feito bumbo de bateria, com passos curtos, entramos no seu quarto, ela mostrou sua colação de papéis de carta e seus bichos de pelúcia depois me convidou para sentar em sua cama. Isso estava errado! Meus amigos não me convidavam pra sentar em suas camas. Sentei e ela sentou-se do meu lado e perguntou o que eu estava achando da casa.

“Tem bastante espaço livre né?”

Foi a primeira coisa que me veio a cabeça, afinal, o apartamento não era tão pequeno e lá só moravam a Jackie e sua tia. Suor, mãos geladas, corpo tenso e uma mordida constante no lábio inferior denunciavam minha tensão.

Ela vai pegar na minha mão em qualquer momento, vai me beijar, sei que vai, esse perfume doce de maçã vai ficar na minha roupa, o gosto de seu batom de cereja na minha boca, seu corpo quente esquentando meu corpo trêmulo e sem a menor idéia de como lidar com tudo aquilo e a história de tempos de reis aonde a princesa conquista o cavaleiro.

Não lembro se tudo foi como eu previ naqueles cinco micro segundos antes do beijo, sei que ela pegou na minha mão, o beijo foi desastroso, eu não sabia direito o que estava fazendo, parei de súbito e ela perguntou o que foi, eu fingi uma dor no joelho e depois me entreguei ao primeiro beijo, o inesperado e inesquecível primeiro beijo.

Mais do que nunca era tempo de festas e tempo de rei. Nos próximos dias eu fui rei, fui o desbravador de mares ainda desconhecidos por essa trupe. Dos meus amigos, poucos mantenho contato, da Jackie nem mantive contato a curto prazo, ela acabou por voltar para Santa Catarina logo em seguida. Mas foram bons tempos de rei.

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