Que calor! Mal posso acreditar que vivo em uma metrópole acinzentada e estou longe de qualquer cachoeira ou maravilha natural para me refrescar. Com sorte amanhã, sexta-feira, é o começo de um fim de semana no qual posso deitar e rolar.
Posso me deitar na banheira, cheia até a borda, fechar os olhos, esquecer da vida um pouco. O que mais posso desejar além de um bom banho e uma cama macia? Depois de um mês tão pesado e cheio de compromissos. A produtora me ligou incansavelmente, engraçado como as vezes passo dias rezando para o telefone tocar, e depois, como em um dilúvio bíblico, recebo ligações a mil.
Deve ser engraçado, pagaria para ver a cara de todos aqueles produtores ensacados em ternos Armani. Fico deitado em minha banheira pensando. Como pode, eles não tem nenhuma qualidade excepcional a não ser extorquir os outros. Mesmo assim sou totalmente dependente desses porcos. Seria hilário ver a cara de desespero de um deles se me vissem apontando um revolver bem no meio da fuça.
Vou sair do banho e desnudo caminho para a cozinha. Que barulho é esse? Meus sentidos estão todos alertas, as sombras da parede tomam vida e me ameaçam com tenebrosos sorrisos sarcásticos.
De sobressalto me viro. Ninguém se espreita no corredor. O chão está cada vez mais traiçoeiro. Minha única saída possível é o conforto quente dos cobertores de minha cama. Colado a parede e pulando uma batida do coração a cada canto escuro que observo, chego em meu quarto banhado de suor. Sinto o pulsar de meu sangue percorrer cada veia do meu corpo trêmulo. Escorrego para debaixo das cobertas e procuro ficar o mais quieto possível, como se nem respirasse para poder escutar um eventual invasor. Será que algum produtor descobriu meu ódio, e o potencial perigo enterrado em minha calma e resolveu dar cabo de mim?
Como em um relógio mecânico, meus músculos esquematicamente movem meu olhar para cada canto daquele quarto outrora tão conhecido. O computador desligado, o armário semi-aberto, evocando febris possibilidades de sua escuridão mais profunda do que a do quarto. A janela fechada, abafando mais ainda aquele ambiente hostil e sufocante. A televisão emite aquela pequena luz do piloto. Um simples ponto vermelho flutuando no ar. Devo estar ofegante, pois minhas mão sentem o cobertor subir e descer violentamente. Quem faz toda a pressão é meu peito libertino em busca de ar.
Não sei que horas peguei no sono. Não sei se morri. Nem se fui tragado pelas escuridão. O zumbido se torna cada vez mais alto. Um fio traiçoeiro que me mantem preso a realidade. Não sinto meu corpo, só sinto o pesar de uma mosca de minha alma. Canseira, paranóia e medo. Conhaque! Preciso de conhaque. Não sei estou na cama ou no parquinho em que brincava quando criança. Minha cama parece a caixa de areia aonde certa vez enterrei o brinquedo preferido de meu melhor amigo por pura inveja. Minha respiração já está normalizada, mas ainda não sinto meu corpo.
Mãe? Pai? Que barulho é esse? Agarro com toda a força o meu cobertor de areia. Imediatamente me vem a cabeça meu primeiro beijo desengonçado, no qual culpei um joelho machucado pela total falta de intimidade que tinha com a garota. Novamente, sobressalto, terror. O piloto da televisão assustadoramente cresce em minha direção. Parece o olho do inferno. Mente pra mim novamente, mente. Mentalizo, a mentira da piada chamada vida. Abro os olhos, meu quarto. Fecho os olhos, ela veio me buscar. Espero que seja indolor. Me sinto caminhando por sobre uma navalha, igual uma lesma o faria. O suor me ensopa, o calor. A minha mente mente a minha realidade, os produtores todos estão aqui, querem minha pele.
Já é alto madrugada. Ou deve ser? O sono me domina. Opa, ou estou enganado. O sol nasce? Ou seria a luz no final do túnel. Revoltoso o mar de cobertas me joga pra lá e pra cá. O apito surge como um aviso de ultima chamada, para um porto de despedidas, nunca de chegadas. Me atenho a buscar o apito, surte como uma salvação. O apito aumenta, salto da cama desesperado, sol a pinho. A claridade me machuca. Meu quarto está inteiro, meu corpo no lugar, o despertador salva vidas me tira da terra perdida entre a lucidez e a morte.
Preciso me arrumar, tenho uma reunião com os produtores a respeito de uma nova oportunidade de emprego.
quinta-feira, fevereiro 21, 2008
Sobre a loucura. Normalidade?
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