sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Homem Diante do Abismo.

Eu era jovem, bonito e perigoso. Vivia dançando com o perigo e o meu Fusca vermelho, era um carro de respeito, além de ser última novidade em termos de automóveis lá em Cerqueira César, me levava para todos os cantos, nunca me via parado ou muito menos voltando, sempre em frente dizia a todos. Entretanto o que reservei aqui é certa vez que passava as férias em Sorocaba, quando me refiro a férias, digo férias mesmo, tiradas na empresa que vez ou outra eu resolvia fazer um bico. Pois todos achavam que eu era um libertino, que vivia no bem bom, mas é diferente viver no bem bom com um cara que lhe paga o salário nos dias de bom humor, enquanto lhe olha torto e roga pragas. Aqueles dias sim, eram férias merecidas: a base de muito suor, mulher e bebida.

Pois então, estava em Sorocaba, em um pequeno hotel próximo ao centro da cidade. Era desses hotéis construídos em antigos casarões, lar outrora de famílias importantes que hoje não passam de fantasmas de seus antepassados. Tinha um ar imponente ainda, ostentava antigas peças de decoração e aquele pé direito altíssimo contribuía com a atmosfera local. Tinha uma bela piscina nos fundos, com um jardim encantador, diversas musas de biquíni desfilavam seus traseiros pra lá e pra cá durante a manhã toda. Eu passava boa parte da manhã no quarto, trancado, a janela meio aberta, observando a área de lazer, o sol me dava náuseas, uma constante sensação de estar em alto mar, sozinho e sem ninguém para me resgatar. Apenas depois do almoço conseguia firmar meus joelhos e fincar firmemente meus pés no chão para dar um passeio.

As refeições por sinal era um dos poucos momentos que me socializava um pouco, logo conheci um grupo de amigos que passava as férias por lá, um casal austríaco e uma família do sul do país. Como o refeitório era em um salão bem grande e possuía enormes mesas, era impossível não trocar um ou dois minutos de conversa fiada com seus vizinhos, e assim que me chamaram para ir na inauguração do mais novo clube noturno da cidade.

Eu sempre tive um certo fogo pelas diversões noturnas, ainda mais estando sozinho, solteiro e totalmente animado em pegar uma caipirinha fogosa e que muito possivelmente nunca mais a veria na vida. Porém com o arrastar quase parado do dia, me sentia inclinado a não ir a esta noitada. Algo me forçava contra meus princípios primais e me dizia para escutar a voz da razão. Mas que razão? Não existia nenhuma premissa obvia que me pudesse fazer desistir da idéia de sair e me acabar com os prazeres mundanos. O dilema perdurou por toda a tarde e me escorreu pelo corpo enquanto tomava meu banho momentos antes de sair. E foi justamente quando saí do banho que me enfiei na mais velha camiseta e voltei pra cama decido a não sair aquela noite de maneira alguma.

Foi uma noite longa e sinuosa. Nas linhas que Guimarães Rosa adoraria descrever, me vi ensopado de suor. Sentia que o calor do mundo desabava em minhas têmporas. Por dentro sentia me queimando como se estivesse no próprio inferno tomando um Drink com o velho safado. Isso até o raiar do dia seguinte, quando sem sobra de dúvidas eu estava muito pior. Nada melhorava, minha fobia matinal me atacava de forma aguda, o corpo latejava em desespero buscando uma rufada de ar fresco.

O dia se arrastava mais penosamente que ontem, e as dores já formigavam por todo meu corpo... não sai para comer, não sai para jantar, nem mesmo para abrir a janela. Me curvava feito animal covarde no canto de minha cama e rezava para santos de todos os altares. As paredes do quarto se jogavam contra minha cama, e o barulho antes agradável das pessoas se divertindo na piscina era uma sinfonia de terror, uma serra me atravessando a cabeça. Já em delírio febril, me imaginava tomando só mais uma cerveja, ou tendo um delicioso traseiro mulato rebolando na minha frente, por segundos me distanciava da dura realidade e logo sentia ser puxado com força desmedida de volta pra cama do quarto. Talvez tivesse sido melhor, procurar alguém, mas agora nem forças para sair da cama tenho, e o quarto não tem telefone. Tentava gritar, mas sei que uma pessoa do outro lado do quarto teria dificuldades de escutar mesmo o mais furioso dos meus gemidos débeis.

Queria ter vivido mais, não sei, a morte chegando disfarçada de resort paradisíaco de férias é algo que quase ninguém espera. Não li metade do que gostaria de ter lido, e não comi metade das garotas que me imaginei trepando. Na verdade não comi aquela em especial que invadia meu mais profundo subconsciente. Acho que vivi uma mentira até agora, só não consigo me lembrar do que fiz para merecer algo de bom ou de ruim. Passei em branco, queria ter cicatrizes de batalha no corpo, tatuagens feitas em uma prisão, queria ter tomado algum porre merecedor e não apenas impulsos infantis para chamar a atenção. Não quero dormir pois sei que amanhã não vou acordar... é uma pena meu corpo já estar atrofiado demais para sair desta jaula que me fechei. Se dormir talvez não acorde...

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