quinta-feira, agosto 14, 2008

Eu sei que você é um anjo. As calçadas estão cheias de diamantes e isso só aumenta o seu poder de brilhar. Como uma caixinha de jóias raras, você me deixa cheio de borboletas no estômago. Só queria que de alguma forma eu conseguisse chegar mais perto. Eu vejo carros em minha volta. Acho que estou flutuando numa bolha gigante. Eu nunca vou sair dessa vivo. Me sinto preso numa tipo exótico de sonho lisérgico, eu tento manter minha cabeça no lugar. Pena que ela cai rolando e se perde na ladeira da memória, desembocando no córrego das almas. Logo ali antes da Nove de Julho.

Eu não posso garantir que isso seja realidade. Enquanto você caminha na sua calçada de diamantes nada faz sentido. Isso é um devaneio na forma de texto? Um texto destruindo minha realidade? Um autor insano cuspindo na minha vida? Ou uma sútil mistura de tudo isso? Tão sútil e sexy como escoar pelas coxas de uma bela mulher. Ela caminha e brilha, eu flutuo nessa bolha imensa. Gostaria que fosse uma bolha de champanhe.

Vejo além da Paulista o Mar. O belo e infinito mar. A bolha acelera e me leva até um pequeno porto que teima resistir as fortes ondas. Além do alcançável lá está você. Uma estranha na cidade, agora perdida no mar revoltoso. Estou suando feito um porco. Um velho segurando uma pequena corda, na outra ponta um barco tão velho quanto ele, os dois se misturam. Me jogo na velha embarcação. O velho e o mar se separam, eu destruo essa tênue afirmação e vago no oceano em busca do brilho das pequena caixa de jóias entristecidas.

Remo ondas homéricas e me defendo de gaivotas assassinas. Desbravo o mar como um real marujo. Minha cabeça ainda está se afogando lá atrás, no córrego das almas. Aqui só o corpo decapitado rema contra a razão e busca o brilho que se esvai logo aquém do meu alcance. Eu ascendo de conquistadores, de desbravadores dos mares. Nada é muito. Como um beijo, um beijo nunca é muito. Esse mar podia ser sua boca.

Não saio mais do lugar, me perco em remadas cegas na areia. Um deserto insalubre e castigado pelo sol incessante. Não deve existir noite aqui. Eu queria abraçar uma nave branca e navegar noite adentro, mas o sol está sempre a pino, não adianta. Delírio, miragens, tudo que vivo é um eterno playback. Veja bem, não existe banda. Não existe mais nada que me apeteça. O brilho dela é ofuscado pelo céu azul como um comercial de cigarro. Se ao menos minha cabeça tivesse sobrevivido fumaria agora.

Do chão sofrido, areia e terra seca vejo uma fenda. Passa pouco mais do que dois dedos, Começo a derreter e me adentrar naquele paraíso aonde o sol não brilha. Porra, cade a banda? Cade todo mundo?Nem Dom Quixote passou por tanta insanidade como eu. Uma cachoeira fria e inconveniente me enxurra esse pedaço de tronco sem desejo. Não convencido da boa fortuna de uma cachoeira no deserto, tento chorar... um brilho aumenta, a fenda, o deserto tudo começa a ficar nebuloso.

Abro os olhos, um chuveiro, um rosto familiar, Paulo? Desprotegido. Estou nu no chuveiro do Paulo, que porra é essa? Por cima do ombro dele, vejo a garota do brilho. A caixa de jóias. Aquela fenda maldita deve ter me jogado pra cá. Sempre achei o Paulão um cara estranho, mas uma fenda no deserto interconectando seu banheiro me parecia demais. Pelo menos ela está ali, ela... ela é a Ana... como pude me cegar e não perceber isso antes? O Paulão. Espera, eu tenho cabeça. Está bem acima do meu pescoço, de onde supostamente não pode sair.

“Você tem que maneirar na bebida”

Minha roupa está jogado sobre o vaso sanitário, me deixam sozinho e ouço alguma discussão forte, palavreado tenso, mas o sentido das palavras me escapa. Quando as coisas começam a se normalizar dentro de mim, resolvo me vestir, estou com uma puta dor de cabeça. E de fato não existe deserto, estou na casa do Paulão, quantas e quantas vezes não dormi por aqui. Impossível de não reconhecer. Me visto.

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