quarta-feira, janeiro 09, 2008

Um dia no trabalho.

Quarta de manhã, o sol cozinha a cidade lá fora. A pacata cidade do feriado colide com o ritmo frenético e cotidiano usual. O som do exaustor, a luz branca, as paredes de metal tudo me oprime um pouco neste ambiente burocrático, até me sinto um pouco perigoso aqui dentro. Acho que meu cérebro não funciona mais como devia, a química perfeita que traz a próxima idéia revolucionária deve estar inoperante. O barulho do exaustor aumenta e já é quase ensurdecedor, demônios arcaicos rastejam nas sombras de minha mente conturbada.

Tento me manter imóvel e talvez buscar concentração para realizar alguma das tarefas pelas quais sou pago. Porém um homem careca, trajando um sobretudo negro como o abismo mais profundo, surge no reflexo da janela. Devo mergulhar para debaixo de minha mesa, botar minhas costas contra o canto e ficar atento. O Diabo assume diversas formas e não deixarei que me pegue.

Volto a tentar o foco no trabalho iminente e cada vez mais assustador. Esse escritório parecia envolto em névoa, com sombras dançando ao som de um melancólico tango norteño. Era impossível enxergar a tela do computador, mesmo estando a três palmos de distância.

Um relapso de terror me fez a espinha gelar e as pupilas dilatar. Mais alguém adentrara a sala. Logo assumi uma postura de auto-defesa, talvez mais parecesse uma criança acuada no primeiro dia de escola. Nessas horas rezo em todos os altares, para qualquer Deus vivo ou morto. Creio em alucinações e me obrigo a buscar em mim mesmo a consciência que se esvaiu.

Mandar tudo a merda? É uma opção certa, este lugar está fudendo com a minha cabeça. Minha vida já é repleta demais de esquisitices para receber mais esta. Preciso de um lugar aonde eu não escute som algum em quilômetros, com exceção de minha própria lucidez.

Mas que bosta, todo mundo trabalha em um escritório assim, será fraqueza minha ser tão facilmente reprimido por tal ambiente? Em alguns dias eu até que sou bem bom nisso que faço. Pode apostar, mesmo que hoje não seja um dia desses, em outros sou o cara aqui dentro. O telefone tocou, eu ergui o gancho e não havia ninguém na linha. Preciso de um groove, Coltrane me salvará.

A música pelo menos serve de calmante, a constante linha de baixo já acalma meu sangue. É, acho que tá certo, música é meu combustível. Pode chamar do que quiser, inspiração, barato ou diversão, mas pra mim é mais do que tudo isso. É combustível e vital para sobrevivência.

E olha que se formos comparar, acho que sou um daqueles carros a la americana, antigos e possantes que bebem litros e litros de combustível para rodar poucas milhas. É a mesma coisa, quando Patti Smith debulha versos de poesia visceral ao som de uma banda doente que culmina em um orgasmo musical, são esses momentos que alimentam uma alma perdida.

É isso mesmo querido leitor, isso aqui é meu legado e minha herança. Vou comprar alguma música ilícita e sair dirigindo até a Patagônia, lá vou devorar um belo pedaço de queijo e beber algum vinho barato. Depois volto pra cá e termino meu trabalho.

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