Tentava decidir se estava satisfeito em estar sentado naquele boteco na praça dos artistas, perto porém muito longe da pessoa que estava sentada a sua frente. Não conseguiu decidir. Parecia uma forte e boa decisão se aproximar e toma-la em seus braços, porém continuar sentado naquela situação de contemplação estável lhe parecia incrivelmente lógico. Talvez ele devesse se levantar e fazer o que o coração mandava, mesmo a razão lhe alertando o contrário. Ou talvez ele quisesse fazer isso para se superar de uma vez por todas. O mais provável era que amba as coisas fossem o mais simplório fogo de palha. O desejo de estar em casa talvez fosse mais adequado a situação. É, talvez devesse, naquele momento mesmo, se levantar e voltar pra casa, trocar a calça desbotada por uma bermuda, pegar algum de seus livros intocados e ler alucinadamente madrugada a dentro, até seus olhos negarem o pedido de continuar abertos e as mãos se curvarem com uma câimbra ocasionada pela, muitas vezes incomoda, posição de se ler deitado. Novamente caiu no limbo da indecisão, não sabia se avaliando essa nova e brilhante possibilidade, tinha algo que realmente queria fazer ou simplesmente algo que achava que devia ser feito, ou pior, será que era algo que achava que deveria ser visto fazendo? As vezes esses momentos de insanidade são tão cheios de razão que por um momento podem ser a pista definitiva para a mais íntima identidade, uma sintética formação de quem realmente somos, quem imaginamos ser, ou quem todos enxergam ao nos ver.
Na luz do palco da vida, emanando uma aura cinematográfica, entre aqueles atores amadores, incertos de seus reais papéis, existia apenas um ponto de destaque físico. Cabelos cacheados, blusa vermelha, sorriso cativante, ela bebia seu Cappucino graciosamente. O olhar sincero e aparentemente fixo nas mais variáveis realidades possíveis do momento. A feminilidade expoente de uma natureza sem artificialidades. Ela conduzia aquele momento sem mal saber o impacto fulminante que causava do outro lado da mesa. Era, em suma, uma pequeno ato de Shakespeare se escrevendo em tempo real. Ela parecia isolada em seus próprios vôos de pensamento. O tempo enorme que permaneceram sem se falar, talvez tenha atingido alguns minutos, não parecia necessário dizer nada além de suas presenças mudas, uma incrível tensão estonteante entre dois universos interiores em expansão.
Ele inspirou o ar com um pouco mais de vontade e pode até sentir o hálito cafeinado e achocolatado dela, que era regular como a respiração de um bebe. Na cabeça dele, conseguia imaginar a bochecha dela encostada em seu rosto, fazendo suaves movimentos para cima e para baixo. Ele acreditava que permaneceria estático, rígido feito pedra, olhando pra ela de canto dos olhos, mantendo-se sempre imóvel, como se servisse apenas de suporte para a garota. Até que sua atitude impassível ruísse e sob um instinto selvagem, ele cedesse, perdendo o controle, até não existir nenhuma opção a não ser virar o rosto e permitir que os lábios se tocassem, se tocassem em um beijo indeciso, que faria de tudo para não demonstrar ser o beijo de carência de uma vida.
Ela disse algo.
Não, não foi ela quem disse, alguém se aproximava e apontando dizia: "Você não é ator?"
Fantasia derretida, brusco retorno a realidade.
quarta-feira, dezembro 12, 2007
Breve Momento Na Praça
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