terça-feira, maio 06, 2008

Em Busca do Eu - 10

Devo ter pego no sono, não sei, lembro de estar bem desperto, de estar acompanhado a passagem repetitiva e insossa do interior brasileiro. Mas não consigo lembrar de merda nenhuma depois, apaguei, e acordo agora, o sol já está se pondo. Perdi um dia inteiro da minha vida e nem sei o que aconteceu. Estou na parte de trás da kombi. Minhas calças estão jogadas no banco da frente e minha cueca arriada. Puta merda, o filha da puta deve ter dado um jeito de me comer. E agora aonde é que está esse filha da mãe? Levanto sentindo uma dor horrível, como se fosse uma fisgada na bunda e sinto um enorme nojo daquele lugar. Pego minha calça e vestindo da forma mais rápida que meu corpo debilitado me permite pulo pra fora da kombi que está estacionada numa dessas paradas de caminonheiros, o porcão está ali, parado ao lado de outros tão ou mais imundos que ele. Checo meus bolsos e o dinheiro se foi, olho pro lado e vejo a estrada interminável para um inferno qualquer no meio desse Brasil.

Caminho devagar até um torneira no prédio ali do lado, sempre mantendo o olho no desgraçado, qualquer coisa me metia a correr, lavo o rosto e de canto olho vejo um velho que mais parecia uma caveira esperando para usar a torneira. Me finjo de bobo e continuo a beber, vendo uns cacos de vidro logo ali, ao alcance da minha mão. Na hora de fechar a torneira me apoio com a outra mão no chão e subo com o caco de vidro escondido na mão. O velho, caipira que só, vestido com camisa xadrez, calça jeans surrada e cinto grande e exclamativo grunhiu: “Dia”, aceno com a cabeça e levanto, quando ele se distrai coloco a caco de vidro contra aquelas costelas secas. “Seguinte velho, tu vai me levar até a fronteira do país e é agora mesmo.” O velho tolo tremia feito uma menina, deixou cair o garrafão de água balbuciava o nome de deus e da virgem maria a cada segundo e tremia, mas me levou até a sua caminhote velha, com a caçamba cheia de milho verde. Era uma dessas caminhotes Ford, velha como o seu dono.

Quando entrei no carro expliquei a situação, expliquei que se ele me levasse até a fronteira eu não iria furar ele com essa porcaria de pedaço de vidro. Ele disse: “Filho, tu precisa amar a vida, amar a si mesmo, amar a Deus.”. Enquanto dava partida naquela lata velha. Amar a mim mesmo? Quem era esse velho pra falar isso? Eu estava fazendo isso porque tinha muito zelo por mim. Não tenho culpa que esse meu corpo é uma jaula, uma porcaria de jaula que me impede de fazer o que bem eu queria. Se estou nesse palco de medo e falta de confiança em mim mesmo, é culpa Deles. O que é mais febril e doente é o fato que no final dessa peça vazia vão me aplaudir de qualquer jeito. A única coisa que me faz continuar é o medo, medo de uma era inominável que está acabando com o mundo.

“Dirigi essa merda velho filha da puta.”

Não é porque muita coisa tem sido esquecida que quer dizer que foi perdoada. Que merda, queria meu corpo livre dessa merda toda. Queria meu espírito livre desse buraco. E esse velho safado? Quem ele acha que era? Dirigia choramingando e se referindo a Deus de um e um minuto.

“Escuta aqui seu velho tolo, você serve um Deus enquanto sua família morre, você acha que está fazendo parte de uma intervenção divina enquanto pais matam os filhos e filhos matam os pais. Toda e qualquer faísca de amizade e amor tem morrido sem a menor esperança.”

Ele tentou rezar, e não se concentrar no que eu falava, apontei o dedo na cara dele, e mandei ele me ouvir, me sentia possuído por algum demônio místico. Tinha força naquele momento pra desafiar o próprio Criador. E caímos naquela merda? Quem vai jogar a primeira pedra hein?

Eu queria poder voar, senti as lágrimas me vindo aos olhos, seria inevitável. Eu era volátil como uma bomba nuclear, a mínima fricção e BUM! Quem jogaria a primeira pedra hein? Eu estava fazendo tudo errado, deixei o caco de vidro cair no chão e me coloquei a chorar feito criança. O velho encostou o carro e filha da puta fez exatamente o que eu imaginei que faria. Me consolou.

“Me leva pra qualquer lugar, me leva pra algum lugar onde nem carros nem aviões cheguem.” soluçava e tentava falar no ombro ossudo do velho. Adormeci com um carinho fraterno por parte dele. Me sentia o mais sujo dos seres.

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