segunda-feira, junho 18, 2007

Uma noite no Buena Vista Social Club

O calor me faz acreditar que estou em algum lugar entre a vida e a morte. Os prédios são na maioria antigos e a cidade acaba tendo aquele visual de que voltei aos anos 50. As construções grandes, com portas grandes, o desbotado da tinta que harmoniosamente contrasta com as ruas de pedra envelhecida. Havana é uma cidade cativante, já fazem duas semanas que cheguei. Estou fazendo uma espécie de recluso de mim mesmo, algo como uma busca por tudo que não faz parte e ao mesmo tempo pode ser a peça fundamental pro todo.

Uso uma boina preta, presente de Manolo Segundo, a camisa ao longo do dia vai perdendo os botões e se entregando ao clima árido, não temos muita opção de roupa, sou um deles agora, começo pelas vestimentas. Marianita é uma dona de casa prendada, é daquelas senhoras que já viveram mais de cinqüenta invernos e ainda sim voltam a sorrir no verão. Rosto redondo, vestido vermelho simples, cabelo tingido de loira, pele preta como o piche e calos como montanhas na mão. Logo de manhã começa a arrumar a casa, preparar o café, e só para na hora do por do sol, quando gosta de sentar no requebro para desfrutar de um belo crepúsculo cubano.

Manolo é um senhor daqueles que nem o mais violento dos generais conseguiria declarar guerra, veste todos seus dias uma boina branca e suas camisas floridas, passa horas do dia sentado em sua varanda olhando o mar e tocando seu violão, tem o rosto marcado pelo sofrimento e mesmo assim nunca o vi com uma expressão triste. Quando me vê acuado pelos cantos logo me fala:

- Chan Chan, garoto, não existe tempo para ficar para baixo.

De noite me vou ao Buena Vista Sucial Club, bebo daiquiri, uma bebida típica feita com rum. Observo a banda tocar o melhor de sua música, me lembra muito o Samba de Raiz da minha terra, gente sofrida, cantando suas dores para o povo dolorido. Quase todas as noites acabo a noite com Tula, uma prostituta muito charmosa apesar de ter todo um ar melancólico ao redor dela. Mesmo que a hora fatal para todo esse povo ainda não chegou, está iminente e ainda sim eles cantam com fervocidade e Tula me canta com vontade. De manhã acordamos ambos satisfeitos, e ela me conta de seu falecido marido, morto em Guantánamo. Pago o que devo e saio pelas ruas caminhando em meio aquele povo, por vezes quase me sinto em casa, porém sei que a viagem apenas começou, talvez não exista uma casa.

Um comentário:

Anônimo disse...

lindo.
estrela da manhã.