quarta-feira, julho 23, 2008

Tudo que eu tinha era – eu. Como sempre. Ana não retornou nos próximos quinze minutos nem nas próximas duas horas. E eu continuava no meio fio. E por lá continuei, nem sei bem até quando. Se não fosse meus amigos estaria lá até agora, afinal ela era tudo que eu precisava. É ela que enfeita a fotografia na minha cabeceira. Acordei com o sol já deitando, tinha o cheiro dela em mim ainda. Fedia cigarro e amor desencontrado.

Liguei lá pelas nove da noite, dois toques e sinal de ocupado, ela não queria falar comigo. Não deixei recado. Liguei perto da meia noite, mesmo sinal de desprezo. Após o sinal sem vida deixei meu nome e um pedido de retorno. Provavelmente ela e o Sonic Youth estavam ocupados demais sendo donos do mundo perfeito deles.

No intervalo das minhas duas chamadas, fumei três cigarros e liguei para minha garota. Sim, essa é a hora que introduzo a vocês a Eliana. Me atendeu amorosa como sempre, contou do dia perfeito que havia passado, das saudades que tinha estar comigo. Quando ia me despedir, pensei em Ana, no Sonic Youth. Pensei no Sonic Youth dentro da Ana, tentei evitar de imaginar essa cena, mas não consegui.

Se não existisse Ana na história, eu teria me apaixonado por essa garota, dois anos mais nova. Ela era linda, atenciosa, gentil. Usava o cabelo de forma descontraída e era um charme. Se vestia com uma elegância que poucas garotas tinham. Ela nem se preocupava por ter o corpo perfeito ou perder uma barriguinha a mais, nem precisava mesmo. Certamente nunca me queixei de sua figura pra lá de sexy. Ela sabia de todos meus desejos, ela sabia acordar no meio da noite, caprichosamente despenteada e parecer divina. Sabia aonde ir, como ir e como fazer, dentro e fora da cama digo. Me sentia um homem cheio de caprichos ao lado dela.

Mas eu não podia amá-la. Pela razão que fosse, nunca eu teria a intimidade incondicional que tenho com Ana. Parecia que sempre existiu uma névoa que fosse, algo que nunca deixou eu ser por completo dela. Era uma barreira que até hoje se mostrava intransponível. Aconteciam silêncios e mais silêncios constrangedores e isso me incomodava. Estar com Eliana era prova irrefutável do meu amor por Ana.

Depois da segunda ligação, sai andando sozinho, queria dar uma volta, esparramar as idéias dentro da cabeça. Andando por completo sem destino. Acabei me vendo passar na frente do bar que certa vez bebi com Ana na saída da faculdade, entrei e pedi um uísque sem gelo, sentei sozinho, e joguei pra dentro rapidamente o drinque. Pedi mais um, e depois outro, e não sei até onde fui. Fechava os olhos e pensava na Ana. A imagem era forte, gravada no fundo dos meus olhos. Ana de joelhos chupava o maldito do Sonic Youth. Do meu lado dois bêbados completavam o balcão, ao fundo uma mesa com alguns universitário. Um deles, corpulento e com cabelo até a cintura, arranhava um violão. Uma velha canção do Pearl Jam.

Puta que pariu! Quando foi que deixei minha juventude escoar ralo abaixo? Don't Call Me Daughter. Estava acabado, não estava? Ainda ontem era um moleque rebelde, hoje estou aqui junto aos bêbados chorando o amor que não tenho. Não fazia muito tempo estaria naquela mesa. Eu tinha que amar, se não eu não sobrevivo. Eles tinham a mesa, Ana o Sonic Youth, até Eliana tinha seus amigos, eu estava sozinho aqui. Me senti um inseto totalmente insignificante, vagando sem razão aparente pela mesa, esperando a mão pesada me esmagar. Mais uma dose.

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