O groove do Jazz de Coltrane embalava o sono de Kim depois de horas retorcendo metal morto para construir uma estrutura miníma para lhe proteger de uma eventual chuva. Aquele garoto, com cara de homem que caíra da árvore de muito esperar, mostrava as contradições claras em sua ideologia Kurtiniana, viver intensamente e morrer rápido, que os céus tenham piedade. Seu tênis nike já havia percorrido muitos quilômetros a mais do que qualquer outro irmãozinho teria feito, sua calça jeans desbotava e misturava o azul fraquejante com o escuro das noites dormidas no chão, usava uma regata velha rasgada no pescoço para respirar melhor e estampando no peito seu gosto refinado; “Band of Outsiders”, ainda usava o suspensório que havia roubado de um amigo seu, queria ser chique apesar da sujeira que impregnava o resto das vestimentas, mas seu grande trunfo era o chapéu de copa baixa que havia comprado por cinco contos de um mendigo – mesmo tendo duas ou três manchas, era perfeito, lembrava uma figura grotesca saída de algum conto obscuro de Tenneessee Williams – e assim se esparramava em um sofá velho, que achará na porta de uma casa e levará para seu cantinho nos trilhos da antiga estação de trem abandonada, a música vinha da antiga e moderna vitrola que funcionava com pilhas, era uma verdadeira luta achar pilhas pra ouvir uma canção inteira.
Acordou.
Era manhã e o sol queimava impiedosamente a batata de sua perna, o que lhe não lhe parecia de todo uma má idéia, a fome lhe atormentava a anos e um suflé de batas a parisiana seria um pedido dos Deuses. Bocejou algumas vezes, coçou os olhos, coçou o nariz e buscou em sua velha mochila – velha de guerra – sua desgastada escova de dentes, a seco mesmo realizou o ritual que não necessariamente limpava os dentes, mas sim limpava a mente da insanidade da solidão. Ele tinha mais medo da solidão do que da própria morte. Buscou em sua sacola de feira uma banana suculenta que lhe fora presenteada. Tinha um pouco de pimenta também, nada melhor, banana com pimenta no café da manhã, padam padam padam, cantava com entusiasmo enquanto dançava categoricamente com seu guarda-chuva quebrado e abocanhava mais um pedaço de seu desejum. Sabia ter classe, buscava a dança em “Cantando na Chuva” e a canção de sua musa francesa Piaf. Era uma música bonita, cantava quando feliz, ou resmungava quando triste. Padam, padam padam...
Caminhava rumo a mais um dia. Mas de forma alguma seria um dia qualquer. Todos os dias eram dias únicos, afinal era uma longa trilha até o anoitecer, que era o amanhecer para sua vida boêmica. O centro da cidade o chamava, iria se encontrar com a ruiva do parque, uma vagabunda de classe que vivia nos seus moldes, e também degustava dos prazeres do jazz com pimenta e da culinária francesa tragada dos restos da burguesia robótica. Os dois curtiam um romance curto e breve, sabiam que duraria três ou quatro dias, assim seria eterno na memória de cada um. O sorriso amarelo estampado no rosto de Kim não afastava as pessoas de pata que corriam em seus trilhos malditos do dia a dia, mesmo tendo a aparência de um insano vívido vagabundo, sua faceta sorridente não demonstrava qualquer sinal de maldade, coisa rara nas carancas monstruosas que desfilam em alegorias fantasmas nas grandes avenidas desta capital.
“ - Olá, seu Pepe, tem jornal de ontem?! O que aconteceu com aquele filha da puta no congresso? Então é verdade? O seu Pepe me arranja uma moeda, vou comprar uma rosa pra minha namorada. Vale se Pepe. Gosto quando as coisas vão bem, é sinal que os passos devem ser mais firmes..”
Sentou no banco da praça cruzou as pernas, e sacou do bolso da calça um pequeno espelho quebrado, no qual já tinha se cortado inúmeras vezes, mas agora já havia domado o danado. Verificou os dentes, todos ali, e penteou o cabelo, meio duro, não saiu do lugar, mas melhorou, guardou o espelho. A leitura.
Continua... ou não...
terça-feira, setembro 25, 2007
Um vagabundo de classe.
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Um comentário:
Cara, parabéns e obrigado pelo carinho lá. E um jazz, sempre, por favor. De preferência com duas pedras de gelo, rs. Bj doce.
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