Deslocado. Locomover-se é um dos primeiros instintos desenvolvidos pelo homem, e é também um dos que fazemos sem o menor raciocino evidente. Nicolas, sempre achou ter personalidade e andar com objetividade, até se sentir tão deslocado que pouco ou nada fazia sentido. Nada o fazia querer viver mais do que o sentido de se achar no local correto e na hora certa. O sentido máximo estava em ser preciso. Ou era até perceber que nunca esteve tão perdido como nesta noite sem conhaque. Seus amigos riam e bebiam como se fossem os deuses do mundo, em breve se levantariam para vangloriar-se de sua potência, se auto afirmando deuses modernos. Os excessos eram encarados como prova de força, como ritos de passagens a serem superados a cada minuto. Não existia uma dose a menos ou uma noite a menos. Era tudo e nada sempre ao mesmo tempo, silêncio em muito barulho para mostrar o quão seguros de si podiam ser. Nicolas sentia nojo disso, mesmo sorrindo e brindando ao seu futuro brilhante como o advogado mais jovem a se formar no país. Ignorava sua família, que tanto lhe disse que o dinheiro não era tudo, não passavam de um bando de vagabundos, fracassados que não queria encarar a vida de frente e vencer. Sim, ele nascerá pra vencer e prosperar, tinha o foco claro, usaria as vertebras de seu irmão como degraus se fosse preciso. Deboche, raiva, remorso, saudade, felicidade, cinismo e intensidade.
Infelicidade.
Veracidade de todos os que o cercavam agora em mostrar o real carinho, aquele que é ganho com esforço de quem busca como um espartano a glória usando a agressividade e voracidade que o dinheiro faz na mão humana; exatamente como o pedaço de carne faz na boca do cão faminto. Desejo reprimido. Tecido de uma raiva crescente por suas origens. Saudades do Pitu, seu único amigo, um cão vira lata que tinha classe de rei.
Um longo corredor, o chão era de madeira, velha, provavelmente devorada por cupins, o tapete velho e desgastado era incessavelmente limpado para parecer novo, sobre o disfarce de incensos o cheiro de falsidade impregnado em cada ornamento das paredes, lindos detalhes em mármore rosado e diversos quadros de Rembrandt. Uma mobilia imponente expunha pergaminhos de John Fante e Fellini, lembranças de quem enxergou além e nunca foi compreendido, expostos como trofeus. As luminárias de cinco em cinco metros iluminavam constantemente o ambiente e davam a racionalidade necessária para admirar cada falso brilhante que esbanjava luxo e tendencias suicidas.
De perto tudo se transformava, o quadro que maliciosamente parecia se entortar, o cristal que se aclamava por atenção ameaçando-se tacar das alturas, a tapeçaria que corroída demostrava a decadência, ou mesmo a porta ao final do corredor que imponente virava apenas uma... porta.
Nicolas caminhava tudo isso com objetividade logo saíra e logo teria o encontro com seus falsos apoiadores morais. A glória se aproximava, o caminho era longo mas sempre chegava-se a algum lugar. A maçaneta fria, o sentimento de rendição, lembrou-se: sua família passava fome em algum lugar, porém não era culpa dele, ele fez de tudo para salvar-se... eles que o seguraram... tinha abandonado também a doce Margarida que tinha reparado sua inocência em um momento de humanidade contida e reprimida. Precisava se concentrar, “- pro inferno esses pesos que me seguram, vocês não são nada para mim.”
Girou a maçaneta, devagar, queria saborear a vitória, sentiu cada mola estralando e se soltando para entregar a vitória aos que lutam e Nicolas era um lutador. A porta se abria devagar e ele sentia até o golpe seco do ar fresco, primeiro sinal de liberdade. Seus olhos não podiam acreditar, a visão era...
A porta se abrirá, quando menos esperava com uma convicção e força únicos. Nicolas se sentia uma criança, um garoto, inocente e cheio de dúvidas, buscou o sentido naquilo. Achava que um dia cresceria e se sentiria completo. O terror do segredo guardado pela porta o apavorava, nunca tinha estado cara a cara com isto.
O espelho.
quinta-feira, setembro 06, 2007
O Espelho
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2 comentários:
adorei!
sabe, sempre acho que o pior e mais forte inimigo que cada um de nós somos nós mesmos.. e o espelho como maneira de fazer um 'balanço' interno é assustador de várias formas.
o fato dele ser um jovem advogado deu uma apimentada nessa questão. haha
adorei!
sabe, sempre acho que o pior e mais forte inimigo que cada um de nós somos nós mesmos.. e o espelho como maneira de fazer um 'balanço' interno é assustador de várias formas.
o fato dele ser um jovem advogado deu uma apimentada nessa questão. haha
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