segunda-feira, março 17, 2008

Em Busca do Eu - 4

E esses meus dentes que tanto doem no frio? Seria descuido ou descaso comigo mesmo? Acho que a única coisa que me chama de volta a realidade é essa gritante dor que vem dos ossos, dentes e da alma. Esse frio cortante me rasga feito papel. Gostaria de saber se a Julia se deu bem, aquela guria merece algo melhor do que aquele traste que ela diz amar. Quando chega essa hora, próximo do anoitecer é a hora mais difícil, já não posso ficar me aventurando lá fora, e a casa ainda não está suficientemente quente. Boto pra esquentar uma sopa de legumes, e me sento próximo ao fogão, no chão mesmo buscando o calor febril que outra hora sentia ao leve toque na pele macia dela.

As vezes, nessa altitude toda dos Andes me sinto num quadro de Van Gogh, tento imaginar, ele usando os tons azul bem claro e branco para pintar toda essa neve, um vermelho alaranjado aonde faria um borrão arredondado, ali seria o fogareiro aceso a pinho para me aquecer. Um quadrado de linhas grossas e tons de marrom madeira seria a representação mais que perfeita da minha cabana. Como será que ele me representaria? Me deixaria oculto dentro da casa? Entregue a boa vontade do admirador da obra para imaginar-me? Ou pintaria minha própria existência em um borrado vermelho do casaco e um rosto sem face perdido na imensidão branca?

Não é que aquela guria sapeca iria adorar estar aqui comigo? Ela adora o frio, adora papear sem imposições de dinheiro para hospedagem, ou olhos interesseiros de gente que nada com nossas vidas. Acho que se aninharia em meu colo, falaríamos de coisas como Salinger ou Mutantes. O calor de nossos corpos bastaria para matar esse frio. Aposto que estaria usando um daqueles suéteres de lã que comprou em uma feira de rua em Novo Hamburgo. Usaria também seu gorro acinzentado, velho de dar dó.

O apito agudo da chaleira me desperta do sono aconchegante, minhas pernas dormiram. Checo rapidamente a sopa, no medo de ter estragado tudo e vejo que ainda posso deixar mais um tempo no fogo. A casa já está mais morna e um chá verde e quente é perfeito para aguardar a sopa ficar pronta. Olho pela janela, a escuridão já tomou conta de tudo. Não sei aqui, a solidão é tamanha quanto a que sentia quando estava rodeado por todo mundo. São solidões diferentes, a daqui é mais crua, mais primal, a daqui é quieta e traiçoeira. Sempre prestes a me jogar no abismo da insanidade. A solidão acompanhada é mais certeira, sabe aonde cutucar e sempre mexe na ferida, é mais superficial, acho. Ambas são frias como esse buraco no meio da cordilheira, aonde fui me meter.

Enquanto a sopa não fica pronta e o chá me aquece a goela, escorrego minha mão pra dentro das calças e começo a me tocar, lembro da Julia e sua barriga, lembro da chilena Mercedes e toda sua ginga latina, recordo dos toques promíscuos da lolita gaúcha e me toco intensamente, com uma certa raiva desprovida de razão aparente. Me sinto um alemão prestes a executar uma fileira de pobres judeus. Pior me excito com a idéia de pegar alguma judia bem magrela, magra de fome mesmo e abusasse dela.

Continuo me tocando e jogando o chá pra dentro... alegorias passam por minha cabeça e quase me sinto completo nesse momento de extasie mundano. Tudo jorra num momento de prazer grudento e quente, gosto de sentir minha virilha se aquecendo e ao mesmo tempo grudando meus pentelhos contra minha pele castigada com a rotina de trabalho. Me lembro da Vera no momento do gozo, me lembro de como me sentia terrivelmente bem afortunado ao toca-la sabendo que poucos o fizeram, e poucos o farão contando com o pouco tempo de vida que deve restar a essa coroa solitária. Ela me acolhia como a ultima chance de ser feliz, eu a usava para momentos de gozo mental e físico.

Me lembrei de tudo isso, limpando a mão contra a barra de minha camiseta e sentindo o cheiro da sopa que devia estar quase pronta. Dois meses de isolamento começavam a me afetar seriamente. A barriga, apesar de tudo, ainda fala mais alto. Chegou a hora do rango.

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