terça-feira, outubro 23, 2007

Império dos Sonhos - Inland Empire (2006)

Direção - David Lynch (Cidade Dos Sonhos, História Real, Veludo Azul, Corações Selvagens e Eraserhead)

David Lynch disse que o filme é sobre uma mulher com problemas e que isso é tudo que precisamos saber ao embarcar nesta onírica viagem. O novo capítulo da filmografia deste cineasta, que considero o maior em atividade (os grandes que me perdoem, perderam a mão a muito tempo), é uma obscura e doente trilha tortuosa pelo subconsciente e por toda a insanidade que carregamos conosco. A tradução do nome é uma (mais uma) bela infelicidade, por que insistem em trazer novos sentidos aos nomes? Inland Empire é um bairro de Los Angeles, porém pode ser algo como Império da “Terra Interior” se viajarmos um pouco, algo como uma viagem para dentro de nós mesmos, de sonhos, existe pouco nesta nova obra.

“Eu não consigo lhe dizer se é hoje ou ontem, e isso está realmente fodendo com minha cabeça.”

Isso é o que passa pela cabeça da maioria dos espectadores durante a sessão do filme, porém é também uma das frases que a personagem de Laura Dern diz depois de mais de duas horas de projeção. Chega a ser até um certo alívio para nós, pobres mortais, que nem o filme de fato se entenda.

Gostaria de me prolongar nesta analise e por isso antes irei fazer um breve relato sobre as técnicas que me chamaram a atenção: ele é inteiro filmado em uma câmera digital semi profissional, bastante acessível ao público em geral, o que pode nos tirar um pouco do floreio habitual nos presenteia com mais realismo, o que acaba sendo muito proveitoso para o tema do filme. Os cenários, iluminação, figurino e trilha sonora como sempre são destaques e mostram que tudo foi pensado no menores detalhes possíveis.

Um dos fatos de se usar uma câmera digital, foi a liberdade proporcionada. Lynch alegou que sentia-se preso as antigas câmeras, e desta vez trouxe uma experiência muitas vezes quase voyeur. Enquadramentos estranhos e closes exagerados ajudam a dar o ar de estranheza necessário para o filme.

Laura Dern é a atriz principal do filme, aparecendo em cerca de 90% das cenas. O trabalho dela é louvável, sofrendo uma transformação brusca ao longo da história e muitas vezes até levantando a dúvida se é a mesma atriz. Poucos conseguem trabalhar tanto tempo com um diretor como este e não enlouquecer por completo.

É muito difícil sintetizar o filme, o básico do enredo pouco significa. Não existe um fio condutor óbvio ou algum real ponto que conecte os diferentes focos da história. Não se deve tentar achar um real sentido para este filme. Este filme não é um mistério a ser solucionado como “Cidade Dos Sonhos” era. É um filme com cor, barulho, cheiro, gosto e temperatura o qual sentimos, sentimentos intangíveis. É típico agente querer achar um final para tudo, uma solução, e aqui não precisamos, eu mesmo sai do cinema buscando entender, necessitei outra sessão para não tentar entender e apenas me entregar a experiência. Deixe o filme desaguar sobre você e resista ao impulso de buscar uma solução.

As mais de três horas de duração pouco significam já que o filme sai e entra dele mesmo o tempo todo fazendo pouco sentido ao tempo. A tempestade de cenas e momentos nos deixam tão perdidos em relação a qualquer noção temporal, quanto as personagens. E por isso em alguns momentos quando as personagens questionam realidade e tempo, a pergunta cai como uma luva para o estranhamento que temos perante ao filme. É engraçado como ao desenrolar da trama, começamos a nos perguntar da onde vimos aquela personagem, ou quem disse algo similar a isso? Essas perguntas devem ser ignoradas e o convite para apenas sentir o filme deve ser aceito o quanto antes. Aí sim teremos o filme brincando com nossos sentimentos como bem entende, jogando fragmentos de sonhos, escorregando pra dentro e fora da realidade, explorando pesadelos e nos botando em xeque a respeito de conceitos até então inabaláveis como tempo.

Explicar tudo isso não adianta muito, pois é um filme para ser sentido, e dificilmente uma analise passaria perto do que Lynch pregou para nós. Recomendo que seja no cinema, a experiência muda drasticamente.

Um comentário:

Dulcinéa Cassis disse...

Gostei de sua análise. Foi exatamente isso que senti ao assistir o filme. Não é um filme para ser entendido, mas vivenciado. O argumento é dado na forma. Para retratar a confusão mental da personagem, Linch nos leva a viveniar a confusão mental. Fantástico!