segunda-feira, fevereiro 23, 2009

sobre os perdidos na noite

Eu gosto muito disso, sou viciado na minha mulher, ela enche a cama na melhor maneira possível de dizer. E aqui estamos nós, carnaval, acabamos de foder, e foi uma foda boa pra cacete. E agora ela tá ali, dormindo, desmaiou, e eu aqui, mais acordado do que nunca. Tamo num hotel de quinta categoria. Paredes amarelas, ventilador de teto barulhento, gambiarra no banheiro e gravuras do Dali de decoração. Pensando melhor podia ser bem pior, mas convenhamos, é um hotel decadente que cobra cinquenta pila a noite. Não tem água e eu to com uma puta sede, e ela tava com sede mas depois da trepada apagou total, me deixou falando sozinho. Rodei umas duas vezes na cama, senti o peso da noite que ainda está por começar e me levantei. Agora sentado aqui no notebook refaço mentalmente a noite. Tem um amigo meu que tropeça a cada degrau e cada vez mais se afunda na miséria. O cara hoje encheu a cara e ficou com aquela cara de coitado, de quem lamenta cada segundo de vida, e lamenta a própria falta de coragem de dar cabo em tudo. Ele cospe que devia ter morrido certa vez que tava se afogando no mar e foi salvo por duas pessoas. Cospe que debocha da vida e que devia ser castigado por isso. Ele cospe a amargura que é passar noites em claro sozinho, tendo a luz azulada do monitor refletida na parede mofada de seu quarto. Tendo putas de terceira aninhadas em seus braços, tendo o peso de se arrastar por aí em busca da próxima etapa, que com certeza será pior que a anterior. Ele é um artista. Ele devia falar de cada tombo, de cada visita ao hospital e de cada soco na cara. Na música, na literatura, no diabo que ele queira, mas ele não pode deixar de expor suas feridas para que apodrecem em praça pública. A poucas horas ele fumava um béque na mesa conosco. E agora deve estar debruçado sobre alguma revista de mulher pelada, matando a ânsia de ser homem que adormece no seu pau. Ele como tantos, não tem uma mulher linda ao seu lado, não tem como se virar e aninhar num corpo liso e quente, encochar uma bunda convidativa e adormecer ou não tendo sonhos perversos. São esses caras que rastejam pela noite e rascunham com suas vidas em busca de sentido. Eu sinto um certo orgulho de ser amigo desse cara. Agora, eu que não tenho essa vida perdida para viver, vou tentar adormecer ao lado da garota, vou deitar e tentar apagar até amanhã. Mas a insônia vai me segurar, talvez eu volte, ou talvez eu a acorde.

Um comentário:

Uidol Macaya disse...

Isso ë bom.