segunda-feira, dezembro 25, 2006

#3

..Foi simples e doce, e valeu por toda a vida.

Como alguém não consegue separar o amor da paixão e do egoísmo? É como não reconhecer uma sinfonia de Beethoven, uma pintura de Van Gogh ou uma crônica de Veríssimo. Você passa a vida todo adquirindo conhecimento esperando pelo momento certo, e quando ele chega, não consegue aproveitá-lo. Mas ele não parecia se importar com o que os outros chamam de "experiência de vida".

Ah! Pobre coitado. Havia nascido com uma personalidade tão singular. Tinha horror a domingos ocupados, e gostava de gastar o dia inteiro ouvindo música barata. E, se não estou enganado, foi numa dessas tardes de contraste que ele resolveu se questionar sobre o motivo de as coisas estarem dando certo há tanto tempo.

Ele nunca tinha feito nada visando agradá-la, no entanto ela vivia dizendo que os momentos ao lado dele eram os mais felizes de sua vida. Talvez a astrologia pudesse explicar tudo, porém ele sempre achou uma imensa idiotice coisas sobre signos e almas gêmeas. De qualquer forma, as coisas necessitavam ser esclarecidas.

Tocou a campainha duas vezes até que ela abrisse a porta com um imenso sorriso e uma toalha enrolada na cabeça. Ele foi entrando ao mesmo tempo em que lhe dava um beijo no canto dos lábios.

- Precisamos conversar. - disse ele

- Algum problema? - perguntou ela enquanto fechava a porta

- Não é bem um problema... - respondeu enquanto abria a janela no canto da sala e se sentava na poltrona ao lado.

- O que aconteceu, então?

- Isso que a gente vem vivendo há tanto tempo, você consegue me explicar?

- Sinceramente não consigo. - continuou enquanto enxugava o cabelo - Mas é algo que me faz acordar infinitamente disposta e bem humorada, e vem crescendo intensamente durante estes seis anos.

- É...Sei bem como é acordar assim, por isso me incomoda.

- Incomoda!?

- Sim. - respondia enquanto se levantava e debruçava na janela admirando a bela vista do décimo terceiro andar - Acho isso tudo muito estranho, nunca imaginei que iria me encontrar nesta situação. Por mais que eu tente não consigo deixar de acordar sentindo essas coisas.

- Entendo. Acontece o mesmo comigo.

- Ficar dependente de alguém nunca esteve nos meus planos.

- Acho que nem nos meus.

Ele virou de costas para a janela, olhou para a imagem dela no espelho em que ela escoava os cabelos e fez a pergunta cuja resposta definiria suas vidas.

- Vem embora comigo?

Os olhos dela brilharam como se fossem feitos de vidro.

- Você está falando sério!? Agora!?

- Claro. - respondeu enquanto acendia um cigarro.

Ela foi correndo colocar a roupa mais confortável que possuía e em alguns minutos voltou para a sala.

- Tem certeza de que é isso mesmo que você quer? - perguntou enquanto pegava o cigarro da boca dele e apertava carinhosamente sua mão.

- Não tenho dúvidas.

Ela deu um último trago, jogou o cigarro no chão, apagou-o com o pé descalço, respirou fundo, olhou para o amado e percebeu que ele nunca esteve tão lindo como naquele fim de tarde.

- Vamos? - perguntou ela ansiosa

Sem responder ele abriu mais a janela, apoiou primeiro o seu pé esquerdo no parapeito ante de se equilibrar por inteiro. Ajudou-a a subir e se equilibrar igualmente a ele. Sem troca de olhares eles pularam e puderam sentiram algo muito melhor do que aquilo que sentiam todas as manhãs durante aqueles seis anos.

Ele só sentiria falta das tardes de domingo gastas ao som do primeiro vinil achado...


Um comentário:

Anônimo disse...

j.!
assim você faz umas lágrimas rolarem aqui.
é, eu choro. facinho facinho. =)


=*